André Arrais é uma das metades da dupla musical de folk Os Arrais. Formado em Direito, com mestrado em Divindade pela Andrews University, ao lado do irmão, Tiago, apresenta Brasil afora lindo trabalho musical, mas não só. Os moços não abrem mão do conteúdo – e excelente conteúdo. Pastor de uma das igrejas adventistas do sétimo dia nos Estados Unidos, sobre liderança espiritual, crise existencial na pós-modernidade e a importância da Beleza no rito de adoração, André Arrais conversa com a FAUSTO com exclusividade. Confira!
FAUSTO – Líderes religiosos tradicionais – ou seja, padres e pastores – estão perdendo lugar para filósofos, psicanalistas ou qualquer outro profissional que melhor dão conta de explicar a complexidade do mundo pós-moderno?
André Arrais: Em geral, creio que não. Em grau menor, é possível que ocorra. Há pessoas mais exigentes, que esperam mais profundidade e consistência nessas respostas, e quando líderes religiosos falham em providenciar respostas plausíveis, recorrem a outros pensadores. No entanto, o problema não está no líder religioso em si, mas no líder religioso despreparado. Há inúmeros deles que têm base filosófica e teológica que os capacitam a fazer excelentes análises da realidade em que vivemos. Então, essa “perda de lugar” não é opção entre líder religioso ou filósofo e psicanalista, mas entre preparo e despreparo.
Como você define o jovem religioso pós-moderno?
É o jovem religioso frustrado com a falha da religiosidade tradicional em proporcionar algo de significado e relevância. Estão em busca de algo mais palpável. Em muitos casos, sacrificam a razão pela experiência, pelo emotivo, pelo que sentem.
A relativização dos valores é um problema ou torna a experiência religiosa mais humana? Afinal, a vida não é uma experiência maniqueísta.
Enxergo a relativização de valores como um problema. Quando relativizamos valores, especialmente a moralidade, entramos em território perigoso. Gosto muito do que C.S. Lewis escreve no livro Cristianismo Puro e Simples, quando fala sobre a importância, e até mesmo a necessidade de uma moralidade absoluta. Se a moralidade é relativa, genocídio, estupro e pedofilia passam a ser apenas atos rejeitados pela sociedade, e não moralmente errados. A rejeição de um padrão moral absoluto nos tira a legitimidade para dizer que algo é errado. Não pode ser tudo relativo. Se assim fosse, a própria ideia de que tudo é relativo seria relativa. Com isso em mente, o desafio passa a ser encontrar, conhecer e se aproximar ao máximo desse absoluto.
Hoje, as pessoas são livres para compor o seu próprio sistema de sentido. Existe, de fato, a possibilidade de um Deus particular?
Não diria somente hoje. A ideia de se ter um Deus particular é bem antiga. Através da arqueologia e da história, aprendemos que isso era bem comum nas civilizações mais primitivas, quando indivíduos criavam seus próprios deuses de ouro, pedra e pau. Deuses que podiam ver. Deuses que podiam controlar. Deuses que podiam entender. É mais prático e conveniente ter um Deus particular, de acordo com nossos gostos e expectativas pessoais. Não acho, porém, que seja saudável. O desafio deve ser deixar nossas expectativas e gostos pessoais de lado e buscar conhecer quem é Deus, sem o filtro de nossas pressuposições.
É importante o “uso” de Deus como alegoria moral para manter as rédeas da sociedade?
Por mais que o Brasil seja um país predominantemente cristão, desde a Constituição de 1891 há separação entre igreja e estado. Isso deve ser respeitado, porque torna-se possível alcançar os mesmo objetivos, que seria manter as rédeas da sociedade, só que através do bom senso. O “uso” de Deus como alegoria ainda faz parte da nossa sociedade. É inevitável. Mas não vejo como algo plausível em nível nacional. A mesma retórica religiosa capaz de manter as rédeas da sociedade hoje pode ser responsável por abusos amanhã. Não podemos esquecer que escravidão e racismo, por muitos anos, foram apoiados pela retórica religiosa.
Templos pragmáticos – que visam mais abrigar o maior número de pessoas do que proporcionar uma experiência de encantamento pela Beleza – são provas sutis da mercantilização das religiões?
Sim e não. Como seres humanos, não temos a capacidade de ler o coração. Julgar intenções é um dos tipos de julgamentos mais injustos que existe, justamente por não possibilitar saber com certeza se determinadas ações são feitas de má fé ou não. Quando respondo “sim”, quero dizer que há sim a possibilidade de muitas igrejas estarem priorizando o crescimento financeiro. Temos alguns exemplos na mídia que nos dão até evidências claras dessa triste realidade. Não podemos, porém, generalizar. Agora, quando respondo “não”, procuro estender o benefício da dúvida para muitas dessas igrejas que, infelizmente, tem como prioridade o crescimento em número, e como consequência o crescimento financeiro, não de má fé, talvez, mas por simples falha de interpretação teológica do que uma igreja deveria ser.
Qual é a função da Beleza na adoração?
Tive um professor no Seminário de Teologia que dizia: “Beleza e Verdade estão conectadas”. Aquilo que é belo é verdadeiro, e aquilo que é verdadeiro será belo. Um dos elementos que mais chama a minha atenção na Bíblia, por exemplo, não é somente o fato de eu encontrar princípios que me levam a ser uma pessoa melhor; ou o fato de encontrar propósito nessa vida. É, principalmente, o fato de a Bíblia ser bela. Parte da Bíblia é poesia, outra parte é repleta de narrativas e cada palavra carrega inúmeros significados. A beleza tem função de levar o adorador ao deslumbramento. Abraham J. Heschel escreve em seu livro Quem é o homem: “Deslumbramento nos permite enxergar no mundo insinuações do Divino, sentir nas pequenas coisas o início do significado infinito, sentir o máximo naquilo que é comum e simples” Essa é a função da beleza na adoração. Levar o adorador àquilo que é verdadeiro. Levar o adorador ao deslumbramento.
Os Comentários estão Encerrados.