Ele não está preocupado em simplesmente agradar. O que ele quer é possibilitar que as pessoas conheçam. Mas conheçam o quê? A obra e o mundo de Stanley Kubrick, a música e a criatividade de David Bowie, o universo particular e a fantasia do Castelo Rá-Tim-Bum e muito mais. Esse mais pode ser, inclusive, sinônimo de Tim Burton, exposição que promete estremecer a cidade em 2016. O responsável por todos esses “hits” é André Sturm. Aos 48 anos, o diretor-executivo do Museu da Imagem e do Som – mais conhecido como MIS – tem visão estratégica, vontade política e disposição para inovar. Segundo pesquisa do Google, encomendada pela revista sãopaulo, da Folha de S.Paulo, o MIS é o segundo endereço mais procurado no buscador. São conquistas de significados simbólicos. Em quais outros momentos assistiu-se a tanto interesse de jovens e pessoas que residem longe dos polos culturais por exposições e museus em geral? O gaúcho de Porto Alegre ainda levou a cabo o imbróglio que foi o fechamento e a reabertura de um dos cinemas mais queridos da cidade, o Belas Artes, do qual se tornou proprietário em 2011. Cineasta, Sturm produziu longas e curtas, distribuiu filmes, elaborou programações e fomentou projetos junto a autoridades do Estado. Passou pela Pandora Filmes, Cinemateca Brasileira e pela Secretaria de Estado da Cultura. Em entrevista exclusiva, André Sturm conta um pouco do fenômeno MIS, das práticas que aproximam o espectador da arte e outras singularidades de sua trajetória como gestor cultural.
Toda vez que passo em frente ao Belas Artes sinto uma emoção, do tipo: “Caramba, ele conseguiu!” Qual é a sua emoção?
O Belas Artes não é apenas negócio. É claro, envolve dinheiro, há contas a pagar, mas antes de tudo o Belas Artes é um sonho. Meu e de muita gente. Tenho a sensação, sim, de uma super vitória; uma vitória rara porque geralmente essas disputas fracassam.
É que a chance deste tipo de conquista entrar no automático é muito grande também, devido aos inúmeros compromissos, novos negócios…
Sempre que vou ao cinema sinto essa sensação, porque o cinema é muito importante. Ir lá é sempre uma emoção. É claro que, é diferente do primeiro dia, de quando o reabrimos, mas essa lembrança de tanto esforço e de tanto trabalho para reabri-lo com certeza não vai passar nunca.
O Haddad teve um papel importante na reabertura do Belas Artes?
Sim! Muito importante, faço questão de reforçar. O Juca Ferreira, o Eliseu Gabriel, eles foram fundamentais. No quarto dia da gestão do Haddad, ele declarou que tinha quatro prioridades, e uma era o Belas Artes. No primeiro semestre de 2013, eles se empenharam muito para negociar com o proprietário. Foram eles que conseguiram o patrocínio também. Sou muito grato ao Prefeito. Ele teve uma compreensão muito grande do que significa o Belas Artes.
Quando você era garotinho, e ia ao cinema quatro, cinco vezes na semana, você tinha alguma ideia de que seu futuro seria trabalhar com o cinema?
Nenhuma ideia. Eu adorava ir ao cinema, tinha paixão de assistir aos filmes, mas não passava na minha mente trabalhar com cinema. Quando eu era criança, esta não era uma atividade que estava no horizonte das pessoas. Mesmo hoje em dia, as pessoas que fazem faculdade de cinema pensam em se tornar cineastas, e não em ter uma distribuidora de cinema. Quando lembro, hoje, dessa paixão que eu tinha pela sala do cinema, você tem razão, estava ali o germe do cinema, mas na época eu não tinha essa noção.
Arriscando uma abordagem mais “mística”, tudo teve um propósito ou foi uma coincidência um dia, na faculdade, você entrar no elevador e ler um convite para participar do cineclube e então tudo começar?
Não acho uma coincidência. As coisas vão acontecendo em nossa vida e precisamos estar atentos. Quando você está atento e aberto, você percebe as oportunidades. Às vezes, quando você está muito focado em seus objetivos, você não percebe. Até o segundo colegial eu ia fazer engenharia, ou química. Então, no fim desse ano, fui à uma palestra, e o palestrante falou: “Quando você for escolher a faculdade você tem que visualizar onde você vai trabalhar.” Ou seja, ou eu ia trabalhar em um laboratório ou em uma escola, e nenhuma das duas coisas me atraía. Eu também detestava desenho. Ia ficar fazendo planta? Administração nunca tinha me atraído, mas o leque de opção era maior: marketing, produção. Eu queria estudar na USP. Estudei em colégio conservador, então, pensava que na USP seria diferente. Meu pai queria que eu fizesse FGV. Entrei nas duas. Economia na USP e Administração na FGV. E foi na FGV que eu entrei no cineclube. Nada acontece à toa. Você tem que prestar atenção, ouvir. Se eu não tivesse prestado atenção naquela palestra eu teria feito engenharia. Ou se eu tivesse feito só USP como eu queria.
Qual filme mais o emocionou? Pode não ser necessariamente o que você mais gostou…
O primeiro filme que me emocionou foi o Bambi. Quando a mãe do Bambi morre é horrível. Saí do cinema chocado. Depois, adulto já, e eu vi esse filme três vezes e as três vezes fiquei emocionado, foi O Marido da Cabelereira [Patrice Leconte, França, 1990]. É de uma sensibilidade…
Consegue explicar a magia do cinema, que faz um “durão” no dia-a-dia, no tratar com as pessoas, se emocionar como uma criança?
A narrativa bem amarrada, que faz você acreditar no que está sendo contado. Precisa fazer sentido, te colocar para dentro.
Como você foi parar no MIS?
Estava na Secretaria da Cultura [do Estado de São Paulo] há quatro anos. O MIS atravessava uma crise há mais de um ano, e se falava muito sobre isso na secretaria. Mas não era a minha área, que era Fomento e Difusão de Produção Cultural. Eu sabia da crise, pelas reuniões. Um dia, o secretário [Andrea Matarazzo] me pediu algumas ideias. Depois de muitas reuniões, concordaram que a direção do MIS tinha que mudar e houve algumas indicações, mas nada caminhou. O Secretario perguntou se eu topava que ele apresentasse meu nome ao Conselho do MIS e eu aceitei. Ele propôs e fui chamado pelo Conselho para uma primeira entrevista. Depois de uma segunda conversa, me convidaram e eu aceitei.
Mais uma vez foi o “estar atento”…
É. Foi na hora certa. Eu já tinha cumprido meu papel na secretaria. Trabalhei com o João Sayad, quem me convidou, e foi sensacional, representou uma grande mudança na minha vida. Sou muito grato a ele. Depois, quando o Andrea Matarazzo assumiu, ficamos muito próximos. Algumas pessoas, na época, falaram: “O que deu nesse cara? Aquele museuzinho…”
Toda a programação é criada por você?
Sim!
Qual foi a sua primeira grande ideia – viabilizada ou não?
A primeira grande ideia, que levei ao conselho assim que assumi, foi: “Vou trazer a exposição do Stanley Kubrick.” Demorou dois anos, mas deu certo. Outro projeto macro era tornar o MIS um museu relevante, do ponto de vista de repercussão na imprensa, de público, que também deu certo.
É difícil entender de arte e museu não é, normalmente, um lugar frequentado por jovens. Conquistar este público foi um plano estrategicamente traçado?
Sim. Não vou dizer que eu imaginava que o MIS teria essa dimensão, mas sim. Assumi pensando que o transformaria em um museu no sentido mais amplo da palavra. As pessoas têm mesmo essa impressão de que museu é lugar de coisas velhas, mas não é. Um museu pode ser um lugar vivo.
Não seria necessariamente um lugar de coisas velhas, mas de coisas difíceis…
Sim, de coisas que não dialogam. E não é verdade. Pode e deve. Não todos, porque cada um tem sua natureza. Por isso pensei em fazer exposições mais interessantes e criar uma vida constante no museu: com filmes, cursos, seminários, programação infantil; de maneira que vai causando um efeito positivo, geométrico. Quem vai assistir ao show vê que tem uma exposição e vê a exposição. Agora mesmo, com a exposição do Graciliano Ramos, que é algo super legal, mas se ela estivesse sozinha, o público seria pequeno. E ela está tendo 400 pessoas por dia! Foram conceitos que pensei: simultaneidade de atividades e esse cruzamento, que permite que uma pessoa que vai ver uma coisa, veja outra. Não é que eu saiba o que é bom, dou a chance de as pessoas conhecerem. E não é só colocar esse algo no museu, é dar um jeito de levar essas pessoas até ele.
Há um interesse, dos gestores, de transformar a linguagem da Arte Contemporânea em algo mais acessível?
Algumas instituições buscam isso, outras não, pensam que o público tem que ir lá e gostar, ponto. Penso que precisamos facilitar, não no sentido de tornar raso, mas de criar interesse. Quando eu estava na secretaria, começamos a olhar para o interior da cidade. Fizemos um festival de música erudita, que foi em uma igreja, e lotou. O maestro era um cara legal, explicava o que ia tocar, só que ele tocou um repertório completamente desconhecido, o que não era necessariamente um problema, porque ali era desconhecido praticamente tudo. Isso aconteceu no primeiro ano que eu estava na gestão. Percebi as pessoas com aquele ar contemplativo: “Nós estamos assistindo a um espetáculo de música erudita.” Depois, quando elas foram embora, tenho certeza que elas disseram para outras que foram a um espetáculo de música erudita, mas duvido que elas tenham comprado um CD. Depois de um tempo, fizemos outro concerto e pedi: “Dá para tocar Mozart?” O resultado foi outro! Você primeiro precisa aproximar a pessoa, colocá-la para dentro, depois você vai sofisticando. E olha que estou falando de Mozart, não estou falando de música sertaneja. Esse é o papel do gestor, que está na Arte Contemporânea ou em qualquer equipamento cultural.
Qual a sua definição de arte de vanguarda?
Arte de vanguarda é qualquer arte que proponha novos caminhos. E podem ser tanto caminhos que interessam ao público ou que não interessam.
Você acredita que a arte “pop” matou a arte de vanguarda, por abraçar a cultura comercial?
Não, de maneira alguma. Agora, se o que você chama de arte de vanguarda é aquela arte que as pessoas não vão ver porque é chata… Veja o Ken’ichi Kaneko, na Pinacoteca. É arte de vanguarda e lotou. O cara provoca, mas estimula, não é aquela arte que te leva para mais longe.
É neste sentido mesmo, porque se culpa o pop, quando ele é apenas mais fácil de entender…
O pop sempre existiu. Por exemplo, [Antonio] Salieri fazia música para todos gostarem e Mozart, que também queria que as pessoas gostassem, ousou. Sempre existiram pessoas que queriam vender e pessoas mais interessadas em ousar, e de alguma maneira dialogando com o seu público; como existiram pessoas mais radicais, que se perderam na espuma do tempo.
Qual o maior desafio para tornar a arte mais presente no cotidiano, nos lares, uma vez que a educação artística nas escolas passou a ter um papel mais terapêutico do que de formação de repertório, por exemplo?
O lar ainda é o lugar mais importante, mas as escolas também têm esse papel. Alguns museus de São Paulo já possuem trabalho educativo forte, de visitas guiadas, para captar o interesse e a fruição da arte, para que o jovem não faça simplesmente uma redação, mas que ele consiga ter elementos para fruir. Quem sabe alguns deles, no mesmo dia chegam em casa e falam para os pais: “Quero comprar um livro” ou “Quero ir ao cinema”.
Este ponto está o tempo todo em sua mente?
Claro. Temos uma verba para isso, e este ano captamos recurso para pagar aluguel de ônibus para levar alunos de escola pública e associações que trabalham com jovens, mas que não tem recursos para pagar o transporte. Não tenho a ilusão de que os 100 jovens que vão ao museu falem isso aos pais, mas se conseguirmos que cinco o façam, nossa! Super valeu a pena.
Como vê a prática das selfies dentro das exposições?
Prefiro que o jovem esteja ali do que em um shopping, por exemplo. Na hora que esse jovem faz uma selfie e posta na rede social, o amigo vai querer ir também. E a ida dele ao MIS pode fazer com que ele vá a outros museus. Esses dias saiu uma matéria [revista sãopaulo, da Folha de S.Paulo] e, segundo pesquisa do Google, o MIS é o segundo endereço mais procurado da cidade. Isso mostra que são pessoas que nunca foram ao museu. Não ando mais de carro, e um dia desses, no ônibus, assim que ele cruzou a Avenida Brasil, o cobrador avisou: “Próximo ponto é o MIS, pessoal.” Ou seja, foram pessoas que perguntaram ao cobrador onde ficava o museu. Isso é muito simbólico e significativo.
Sente alguma pressão com todo o sucesso do MIS? De que as próximas exposições têm que ser ainda mais bem-sucedidas?
Não, neste sentido não. Essas exposições de grande repercussão servem para formar o público do MIS e de outros museus também. É visível que, desde que começamos a fazer exposições mais “pop”, para usar sua expressão, outras atividades do MIS tiveram mais público. A próxima será de fotos da Jessica Lange. Tenho certeza que terá mais público do que teria há três anos. No ano que vem vai ter o [François] Truffaut. E no começo de 2016 vai ter o Tim Burton, que vai ser o caos, no melhor sentido da palavra.
A exposição do Tim Burton vai ser um estouro…
Sim, vai.
Nobre dama ou nobre cavalheiro,
Gostaram de nossa entrevista com André Sturm? Desejamos que sim! Gostaríamos de deixar o singelo convite para nos acompanhar em nossas “redes sociais”, esse termo ainda estranho para nós, de tantos séculos atrás, sabem como é. Doravante, temos de nos adaptar a esse tempo de nuvens! É por isso que estamos no Facebook e inteirinho em preto e branco no Instagram, numa perfil lindo como as exposições do MIS, sempre à espera dos senhores. Venham logo!