Sei lá, acontece muitas vezes. Isso de sentar confortavelmente na poltrona do cinema e esperar sem grandes expectativas que o filme comece, transcorra e termine.
Acontece. Nem sempre tem que ser um grande momento, embora nunca deve ser à força – ainda que surpreenda e encante.
Cinema, tenho para mim, é como um encontro de amor: leva para outro tempo e espaço. O mundo fica em suspenso por algumas horas e vivemos uma vida que não é a nossa.
E aí é que foi assim com Churchill – O destino de uma nação. A noite não era nem fria e nem quente, e eu não estava nem feliz e nem triste. Sentei-me confortavelmente na poltrona e me deixei levar, sem expectativas.
Acontece, sim, e muitas vezes, de me perder em pontos específicos do filme, pontos em que noventa e nove por cento das pessoas sequer notam. Não tem a ver, nada a ver, com ser detalhista, aquele tipo que adora dizer que pensou o que ninguém pensou, não, não. É só um tipo de distração.
Perdi-me em um detalhe no filme de Joe Wright que, ainda bem, jamais foi um detalhe: Clementine Churchill.
Winston Churchill, vivido de maneira estonteante por Gary Oldman – que acaba de levar o Oscar de Melhor Ator – tem sua metade vivida pela maravilhosa Kristin Scott Thomas.
Metade, aqui, não é como aquela metáfora de gosto duvidoso, que tememos pela deselegância talvez tanto quanto há quem tema a ideia de uma mulher ser incompleta sem um homem. O que também acontece. Há quem nasça e passe a vida sem saber quem é até que encontre o amor.
Metade, aqui, é porque Clementine representa a outra metade da história de Churchill como homem público. No filme, a primeira cena encantadora é dela.
De trato nem sempre calculado, Churchill destrata uma candidata à datilógrafa, personagem de Lily James. Ao ir embora em disparada chorando, encontra Clementine quase na saída. Clementine conhece o marido e logo adivinha o que houve. E repreende a moça na intenção de animá-la, dizendo que ele é apenas um homem comum. A autoridade de Clementine é a típica de quem sabe o seu próprio lugar, o seu próprio poder, e de quem sabe que há brechas em todas as rochas, e é por elas que atravessa aquilo que aos poucos as transformam.
Há quem nasça para ser só, há quem nasça para ser soma. Nada de subordinada, era ousada. Nada de esquecida no bastidor, foi o próprio palco que susteve o homem da História. Ele agora sendo relembrado relembra também ela.
No filme, quando Winston está se arrumando para uma reunião importantíssima, no cômodo onde estão os seus tantos modelos de chapéus, ela ajeita seu terno e, por trás do corpanzil, o abraça. A cena é simples, mas quanto significado há em um abraço por trás. Amar alguém que tem poder, e exercer influencia sobre esse alguém, é dominar a arte dos códigos. É quando muito se diz sem que seja preciso dizer nada.
Clementine foi o amparo emocional de Churchill, sua confidente, mas acima de tudo – eis o segredo – nunca teve medo dele. Assim, foi o tempero de uma vida a dois e o esteio de uma vida pública.
Li por aí, não sei dizer se é fato, e pela poesia recuso-me a confirmar, que seguindo o funeral de seu marido, em 24 de janeiro de 1965, Clementine virou-se para a filha e disse: “Você sabe, Mary, não foi um funeral. Foi um triunfo”.
Se por acaso, sei lá, distrair-se, repare em Clementine.