David Barash: “O poliamor é menos bem-sucedido do que seus praticantes esperam”

Infidelidade. Tema espinhoso. Sempre espinhoso. Não importa o quanto as relações “evoluam”, alguns sentimentos parecem ser inerentes. O ciúme, por exemplo? O ciúme! Tema da vez, parte da Série Le Privé – O lugar do desejo, a questão da infidelidade é tratada por David Barash, professor emérito de Psicologia da Universidade de Washington, autor do clássico O mito da monogamia. Barash é doutor em Zoologia, além de membro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, e lançou recentemente Through a Glass Brightly: using science to see our species as we really are [Sem tradução no Brasil]. Será que seriamos mais felizes se deixássemos de ser monogâmicos? Ou a dor que causa uma infidelidade está para muito além do sexo? Exclusivo para a FAUSTO.

David Barash
Entrevista com David Barash. Foto: Herb Ritts.

FAUSTO – Por que infidelidade ainda machuca? Considerando, principalmente, o que já sabemos de pesquisas sobre a natureza de homens e mulheres.
David Barash: Quando a infidelidade é identificada como tal, é porque um compromisso com a fidelidade foi feito. Portanto, a infidelidade constitui um ato contrário a uma promessa séria. Além disso, existem fatores biológicos e psicológicos – os fatores psicológicos envolvem traição e trapaça é vista como um tapa na cara do parceiro. Biologicamente, quando uma mulher é infiel, surge a possibilidade de gravidez, mesmo que essa possibilidade não seja considerada séria e conscientemente.

O cérebro humano se adapta à desonestidade? Depois de trair uma vez, a pessoa trai inúmeras outras vezes?
Não sei se é esse o caso. Talvez seja, mas não tenho informação científica.

O mesmo acontece com a fidelidade? É possível ser fiel?
Certamente é possível, assim como é possível ser celibatário! Sabemos, no entanto, que muitas pessoas tentam o celibato, porém, fracassam; assim como muitas pessoas tentam a fidelidade sexual, mas também fracassam.

O dinheiro muda as maneiras de trair? Porque facilita encontros, e porque não gera tanta culpa…
Essa é uma ideia interessante! Entretanto, mais uma vez, não tenho nenhuma informação científica a respeito, embora eu possa imaginar que, se um dos cônjuges trai pagando por sexo, isso pode significar mais uma transação comercial do que necessariamente uma traição conjugal. Agora, se isso é aceitável para o outro cônjuge, já é outra questão!

Os millennials estão melhor preparados para lidar com a infidelidade? Eles são mais “tranquilos”? Tanto por causa de aplicativos de relacionamento como pela falta de vínculos mais fortes…
Não sei o que eles são. Se assim for, pode ser porque as expectativas foram um pouco afrouxadas como resultado de “padrões” éticos geralmente mais frouxos, típicos de nossa cultura popular. Além, claro, da disponibilidade da pornografia na internet.

Por que a mulher que trai ainda escandaliza?
Hoje em dia, não tenho certeza se uma mulher infiel é mais chocante do que um homem. Caso ainda seja, em algumas sociedades, suspeito que exista uma razão biológica por trás, porque uma mulher pode engravidar na traição, forçando o homem a criar o filho de outro homem. Em contraste, um homem traidor não coloca sua companheira numa posição comparável. As mulheres sabem que são geneticamente mais ligadas a seus filhos, enquanto os homens não.

Seríamos mais felizes se deixássemos de ser monogâmicos?
Não necessariamente. Isso ocorre porque, juntamente com o interesse em múltiplos parceiros sexuais, a evolução também nos deu uma forte tendência ao ciúme sexual. Da mesma forma que a aptidão evolutiva de uma pessoa pode aumentar pela possibilidade do sexo com mais de uma pessoa, ela pode diminuir se o nosso parceiro sexual e social fizer o mesmo! É por isso que o poliamor é menos bem-sucedido do que seus praticantes esperam. Além do mais, a monogamia é uma forma de aumentar a probabilidade de que o filho seja cuidado por seu pai e sua mãe.

É importante manter nossas fantasias extraconjugais em segredo?
Às vezes pode ajudar mantê-las em segredo. Outras vezes pode ser útil compartilhá-las porque podem ser sexualmente estimulantes. Em outros casos até, fantasias extraconjugais podem ajudar a neutralizar o que poderia se tornar uma situação problemática, caso em vez de serem mantidas em segredo fossem colocadas em prática.

O ciúme é inerente aos seres humanos?
Sim. Mesmo os casais que optam pelo “casamento aberto” geralmente descobrem o ciúme aqui ou ali, ainda que não desejem isso.

Por que não trair?
Cabe a cada indivíduo e a cada casal essa decisão. Minha sensação é que a maior desvantagem está na definição: “trair” implica mentir e enganar, o que pode ser erosivo para qualquer relacionamento. Já se for mutuamente acordado, não é traição. Contudo, dado o ciúme sexual, a infidelidade ainda pode ser problemática a longo prazo.

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.