Deus: antes e depois de viajar o mundo

Pouco tempo atrás finalizei um período de pouco mais de dois anos viajando pelo mundo junto com meu parceiro de vida, Plácido Salles, em um projeto que chamamos de Livre Partida.

Durante esse tempo, mergulhei em experiências novas, conheci pessoas, tive a oportunidade de ver lugares e experimentar situações que nunca havia imaginado, passando por todo o continente americano, pelo sul e sudeste asiático e, por fim, explorando a Europa e o Oriente Médio.

Tão surpreendente quanto tudo o que vi e vivi foi a pergunta, à queima roupa, de minha grande amiga, editora desta revista: “Como você pensa em Deus agora, depois de ter visto tanto lugar lindo? Mudou?

Confesso que nunca havia parado para pensar nisso, ou sido questionada a respeito, e a pergunta me deixou intrigada. Sim, certamente algo havia mudado, mas o que, exatamente?

Fui criada em uma família católica e tive uma educação religiosa sólida, apesar de não frequentar a igreja regularmente. Na adolescência, decidi que não queria seguir dentro do catolicismo e finalizei meus vínculos com a instituição. A partir daí, minha postura com relação a Deus foi a de indiferença. Eu não acreditava, porém, não negava sua existência. Apenas sentia que a verdadeira fé nunca fizera parte de mim.

E o que mudou com relação à minha fé – ou à falta dela – depois desse período desbravando o planeta? Posso dizer que mudou minha postura perante a religiosidade. Estive em países em que a cultura e o dia a dia das pessoas são completamente pautados pela fé.

Por exemplo, em Bali, na Indonésia. O dia não começa antes que as pessoas façam suas preces e ofertem aos deuses pequenas cestas confeccionadas com todo o capricho, contendo os elementos básicos para que tenham uma vida feliz: arroz, um doce ou fruta, incenso, uma flor. Ali, o sucesso dos negócios, ou a harmonia das famílias, dependem da devoção de cada um, por isso para os balineses esse ritual é prioridade.

Nas cidades da Turquia o som mais característico é o do chamado para as orações, vindos de dezenas de auto-falantes presos aos minaretes das mesquitas, e os dias são divididos de acordo com os horários das preces.

Na Índia o complexo sistema de castas se baseia em conceitos religiosos e até mesmo o vestuário das pessoas é determinado de acordo com suas crenças. Cada cor, modelo ou estilo de acessórios, por exemplo, funciona como um cartão de visitas que deixa claro aos demais qual é a sua religião. Fica evidente o quanto a vida no país se sustenta pela fé, por isso é o elemento prioritário da vida de cada cidadão.

Já no Irã o Estado carrega os dogmas do islamismo e as leis são baseadas na interpretação do Alcorão. Por ali fui obrigada a usar o rijab, o véu que cobre a cabeça das mulheres, e que foi exigido desde o momento em que saí do avião. Apesar de exigido por lei, as iranianas usam véus modernos e bem folgados, mostrando boa parte de seus cabelos e realçando ainda mais sua beleza natural. Eu preferi comprar um rijab tradicional, preto e fechado, para experimentar o que muitos criticam como sendo um símbolo da repressão às mulheres. Ao final de quinze dias usando o lenço, minha única queixa com relação a ele foi certo desconforto físico por ter que aturá-lo sob qualquer condição climática, mas durante toda a minha passagem pelo Irã não me senti desrespeitada ou desvalorizada sequer uma vez pelo fato de ser mulher.

Estar nesses lugares despertou em mim um sentimento de admiração, quase como uma tristeza por não ter a capacidade de acreditar e fazer disso um norte e um consolo. Ao mesmo tempo, me trouxe uma certeza: grande parte da humanidade é movida por suas crenças e a religião ainda é um dos pilares que sustentam a existência de nossa espécie.

Ao longo dessa aventura não pude deixar de questionar, em diversos momentos, a ideia do que seria Deus. Para alguns, é um ser todo-poderoso que está acima de tudo e de todos, julgando, castigando ou sendo benevolente de acordo com o merecimento de cada um.

Para outros é uma entidade onipresente capaz de prover o Homem com o que necessita. Para uns, ainda, não existe um só Deus, mas vários, cada qual responsável por um setor dessa grande experiência que chamamos de vida. Mas, e para mim, o que essa ideia representa?

Para mim, Deus é aquilo que está dentro de cada um. Em meu ponto de vista, se determinada ideia a respeito de Deus existe genuinamente dentro de alguém, esse Deus é real. Não importa a aparência, o nome ou seus poderes… ele existe e atuará de acordo com as crenças que baseiam aquela relação.

No âmbito pessoal, tive algumas experiências interessantes. Estar na presença do sublime, como as paisagens impressionantes dos Himalayas ou de fenômenos belos como a Aurora Boreal, me despertaram, naturalmente, um impulso de agradecimento. Eu não agradeci a uma entidade específica ou a um nome, mas senti que estava diante de algo maior, mesmo que não pudesse entender ou explicar o que era. Diante de minha falta de fé, me vi enxergando na perfeição da natureza a presença de Deus.

Em outra ocasião, assisti a uma cerimônia dos Wirling Dervishes, praticantes do sufismo, uma vertente do islamismo. Durante a solenidade pude observar a introspecção e a profundidade daquilo que aqueles homens estavam vivenciando.

Em seu ritual, pautado por músicas e preces, eles estavam imersos em um transe que não poderia ser outra coisa a não ser um encontro com Deus. Enquanto executavam o passo a passo de uma formalidade criada pelo homem, uniam-se à divindade de seu criador. Foi de arrepiar a alma de uma pobre pagã como eu.

Mesmo diante de situações como essas, ainda considero difícil experimentar a sensação da presença de Deus. Apesar de enxergar a verdade no que os crentes vivenciam, minha empatia termina no momento em que não sou capaz de creditar a outro ser o poder de intervir por mim. Em momentos críticos, por exemplo, nunca foi a fé que me manteve firme, apesar de acreditar que dividir essa responsabilidade teria trazido um grande alívio.

Ainda assim, experimentei coincidências capazes de deixar o mais cético desconfiado, tendo sido provida com exatamente tudo o que precisei ao longo de minha aventura.

Se tais coincidências foram fruto de um ser divino, ou simplesmente de um conjunto de fatores práticos, acho que nunca terei certeza da resposta. Acredito que a vida se encarrega de nos levar de acordo com os caminhos que construímos para nós mesmos e também de manter os seus mistérios bem guardados.

Mesmo que eu não tenha encontrado dentro de mim a centelha da fé, sigo acreditando que a ideia de Deus é intrínseca à condição humana.

 

 

Mariana Beluco Escrito por: