Karl Marx: da esperança revolucionária à desilusão totalitária

Há exatamente duzentos anos nasceu o filósofo, economista, teórico político, jornalista, historiador, sociólogo, e revolucionário socialista Karl Marx (1818-1883). Apesar do grande impacto do pensamento marxista, em especial após a publicação, em 21 de fevereiro de 1848, do famoso Manifesto do Partido Comunista, escrito juntamente com o fiel companheiro Friedrich Engels (1820-1895), o bicentenário de nascimento de Karl Marx neste dia 5 de maio de 2018 não recebeu a devida atenção, tanto por parte dos que se dizem herdeiros de suas ideias quanto pelos críticos de suas teorias.

Entre os grandes ensinamentos de um dos maiores críticos do marxismo, o economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973), merece atenção especial a noção, explicitada no livro As Seis Lições, segundo a qual “ideias, somente ideias, podem iluminar a escuridão”. Tal como asseverou o filósofo norte-americano Richard M. Weaver (1910-1963), “as ideias têm consequências”, ao que podemos acrescentar o fato de que muitas delas são nefastas. Nossas atuais mazelas culturais, políticas e econômicas são caudatárias, em grande parte, de ideias errôneas produzidas por intelectuais falecidos há décadas ou séculos, cujas teorias são o sextante dos tecnocratas que buscam modificar artificialmente a realidade, como podemos constatar no legado prático de muitas das teorias de Karl Marx.

Rejeitar qualquer sistema filosófico ou escola econômica sem uma maior compreensão deles, entretanto, é uma falta tão grave quanto aderir de modo acrítico a qualquer corrente de pensamento. Adotar tanto uma postura intelectual dogmática quanto atitudes políticas fundadas no anti-intelectualismo geralmente conduz ao mesmo tipo de erro que se deseja combater. A superação dos equívocos teóricos e das práticas nocivas, disseminados por concepções distorcidas acerca da natureza humana e da sociedade, demanda que as boas ideias sejam difundidas ao mesmo tempo em que as imperfeições das más doutrinas sejam compreendidas. Lembramos aqui a sentença, erroneamente atribuída a Karl Marx e proferida por Auguste Comte (1798-1857), segundo a qual “os vivos são sempre, e cada vez mais, governados necessariamente pelos mortos”.

Em linhas gerais, tal como expresso no Manifesto do Partido Comunista, o objetivo principal do comunismo marxista é “a derrubada violenta de toda a ordem social até aqui vigente” como meio de alcançar a promessa utópica de criar para o proletariado uma sociedade igualitária sem classes sociais. Conforme leciona Antonio Paim no livro Marxismo e Descendência, o projeto marxista não é exclusivamente uma teoria econômica ou uma proposta ideológica, mas um amplo sistema filosófico que, amparado em uma visão economicista da realidade, oferece doutrinas acerca do Estado, da sociedade e do pensamento. Na décima primeira das onze breves teses sobre Ludwig Feuerbach (1804-1872), escritas em 1845 e publicadas postumamente, em 1888, por Friedrich Engels, o próprio Karl Marx afirma que “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo”. O marxismo é um sistema filosófico que, de fato, transformou o mundo, mas não em um lugar melhor como prometido por seu criador. Isto se constata por inúmeros relatos históricos, dentre os quais destacamos o volumoso O Livro Negro do Comunismo. Não é possível dizer que o totalitarismo intrínseco aos regimes políticos do chamado socialismo real foram desvios, visto que é característica teórica e prática do marxismo a busca pela hegemonia, rechaçando ou até mesmo eliminando, por intermédio do uso da violência, qualquer divergência conceitual ou política.

Geralmente as contribuições de Karl Marx são rejeitadas como um todo por uma parcela significativa de liberais ou de conservadores, que muitas vezes se fundamentam apenas nas consequências práticas das experiências históricas totalitárias, ou no ‘modus operandi’ dos chamados movimentos sociais, alegadamente inspirados no marxismo. Todavia, muitas destas experiências não seriam aceitas pelo próprio criador da doutrina que invocam. Os erros cometidos pelos esquerdistas não são justificativas suficientes para que o pensamento marxista não seja estudado ou para que sofra qualquer tipo de censura. Uma visão hegemônica não deve ser combatida com a implementação de outra, mas enfrentada por intermédio do debate livre e pluralista. O marxismo não pode ser descartado como um todo. Há neste conjunto teórico vários questionamentos e respostas que são pertinentes, não devendo, por este motivo, ser negligenciados. Nesta categoria merecem destaque algumas das críticas apresentadas nas obras Crítica da Filosofia do Direito de HegelA Ideologia AlemãA Miséria da Filosofia e O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Inúmeras perguntas corretas foram ali elaboradas pelo autor e merecem exame mais detido, independentemente do fato de terem sido respondidas por este de modo errôneo. O mesmo ocorre em outros trabalhos seus, incluindo até mesmo O Capital e O Manifesto do Partido Comunista. Adotar uma postura antimarxista radical, ignorando algumas importantes contribuições filosóficas, históricas, sociológicas, políticas e econômicas de Karl Marx para o pensamento ocidental, é erro injustificável que deve ser evitado tanto por liberais quanto por conservadores.

Esperamos que o bicentenário de nascimento de Karl Marx seja uma ocasião propícia para o surgimento de reflexões sérias acerca do marxismo. Devemos nos lembrar de que aspectos positivos da análise marxista foram ressaltados por seus mais importantes críticos. Em nossos dias ainda merecem atenção as críticas feitas por Karl Marx à burocracia estatal, ao romantismo utópico de alguns socialistas e ao poder central exercido por algumas oligarquias dominantes. O filósofo e economista Hans-Hermann Hoppe, em um ensaio que anexamos como introdução ao livro O Conflito de Interesses e Outros Ensaios, de Ludwig von Mises, ressalta diversos pontos em que a análise marxista estava correta. De nossa parte, acreditamos que Karl Marx foi um verdadeiro cientista social, que se questionou acerca dos principais problemas de sua época, desenvolvendo teorias ousadas e apostando em soluções arriscadas. Em resumo, podemos dizer que foi um analista que conseguiu enxergar diversos buracos em uma parede, mas que não conseguiu ver a dimensão real desta parede. Cabe a nós a reavaliação deste legado sem paixões irracionais, fundados principalmente nos escritos do próprio pensador, mormente se levarmos em conta que o antídoto para muitos erros da vulgata marxista se encontra exatamente na obra de Karl Marx.

 

 

 

Alex Catharino Escrito por:

Pesquisador do Russell Kirk Center for Cultural Renewal, gerente editorial do periódico COMMUNIO: Revista Internacional de Teologia e Cultura, e autor do livro "Russell Kirk: O Peregrino na Terra Desolada".