“Como seria viver sem ter visto o olhar de quem viveu antes de mim?”
De Aleksandr Sokurov, Francofonia – Louvre sob ocupação é um documentário que merece não apenas ser visto como revisto.
E revisto e revisto.
É para quem não se compadece com mediocridades.
Porque é profundo, porque é belo e porque aponta contradições instigantes da História.
Sokurov revela uma das formas pelas quais entramos em contato com essa mesma História: a arte.
Ambientado nos anos 1940, quando a França foi ocupada pela Alemanha nazista, a obra esmiúça como o Museu do Louvre — de modo algum alheio às decisões políticas desde a sua fundação — atuou para preservar suas mais preciosas coleções do período pré-guerra.
O texto é narrado pelo próprio Sokurov e é intenso!
O documentário deixa evidente a impossibilidade de ler com precisão a história do mundo porque ela sempre será contada por alguém incapaz de ser imparcial – e que possivelmente não quererá ser.
E as imagens? São extraordinárias!
Do sobrevoo por Paris, ressaltando sua cor encardida, às fotografias dos tempos mais remotos do museu, o documentário acaba por se tornar exatamente como o objeto que analisa: impossível de comprender em sua totalidade se visto apenas uma vez.
Não é assim com o próprio Museu do Louvre?
Aleksandr Sokurov recorre poucas vezes a recursos tecnológicos, mas emociona quando o faz.
Por exemplo, quando mostra como o museu foi crescendo em tamanho, diante do campo vasto e verde de Paris.
E mais! O documentário também mostra que não importa o quão frio e cruel tenham sido os corações dos grandes líderes do mundo.
De Napoleão a Hitler, passando por todos os demais que não ecoaram tanto na História, mas que tiveram influência na gestão do Louvre, a verdade é que diante da arte todos sucumbem.
Agora, a arte está acima do bem e do mal? Acima do poder? Ou ela é apenas mais um instrumento de manipulação para qualquer um dos lados?
Francofonia encanta, levanta perguntas interessantes, contrapõe o tempo todo as motivações do homem:
“Cada coração tem o seu próprio oceano.”
Intensidade parece mesmo ser o que corre nas veias de Sokurov — que é o mesmo diretor do fabuloso Fausto.
“Cada um aqui riu, chorou, matou, se arrependeu…”
Que a arte conta a história do mundo, é desnecessário explicar. A arte é petulante, armada de autoridade.
Ingênuo, porém — e esta parece ser a proposta do cineasta russo –, é acreditar que a arte não direciona o nosso olhar para onde quem está no poder deseja que olhemos.
Entretanto, como arremata Sokurov:
“Os objetivos do Estado e da arte raramente coincidem”.
As sensações e os sentimentos que suscitam Francofonia formam, curiosamente, afinidades com Sokurov — e com quem mais valoriza a arte.
E não me refiro às afinidades tediosas, que só fazem sentido em sua instantaneidade.
Refiro-me às que estreitam laço sobretudo no silêncio.
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