“Homem Irracional” é clichê, mas quem liga? É Woody Allen!

Pode parecer absurdo, mas um dos traços peculiares do cinema de Woody Allen é o som do seu texto. Repare. O cineasta nova-iorquino tem um estilo tão característico que alguns nomes de personagens, frases ou situações o entregariam mesmo que seu nome não estivesse nas legendas iniciais. Em Homem Irracional não é diferente.

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Cena de Homem Irracional.

Um exemplo simples – e por isso mesmo pode parecer absurdo – é o nome do juiz Judge Thomas Spangler. Não é um nome muito fácil de imaginar Allen pronunciando, com sua maneira enérgica costumaz?

Homem Irracional apresenta velhas subtramas e clichês da vida, mas quem liga? É Woody Allen! Mesmo lampejos de sua criatividade são capazes de encantar.

Abe Lucas, vivido por Joaquin Phoenix, é um professor de filosofia sem esperança que se muda para uma pequena cidade dos Estados Unidos. Entre pensamentos de Kant, Simone de Beauvoir e Sartre, o intelectual logo chama a atenção de Jill, a aluna curiosa vivida por Emma Stone, a musa da vez.

Encantada pela inteligência de Abe, Jill acaba se apaixonando. A amizade cada vez mais estreita leva a um caso amoroso, e Jill larga o namorado de sua idade, apaixonado e com intenções de casamento. Tudo é bastante comum. A paixão da aluna pelo professor, o namorado “certinho” e com boas intenções, a família feliz que se veste com roupas em tons pastéis. Jill é uma moça inteligente e não tem medo de expor seus sentimentos. Perfeita para “salvar” Abe.

Caso ele quisesse ser salvo, é claro. Sua condição essencial de descrente na verdade até despreza esse tipo de tentativa, preferindo a distância que o torna inacessível – o que é bem mais atraente.

Do outro lado da cama de Abe costuma estar Rita, também professora. Interpretada por Parker Posey, a personagem é casada. Visivelmente entediada, pensa ter encontrado em Abe a saída para um recomeço. Sozinha, a mulher não tem coragem de acabar com o casamento que não a faz mais feliz. De todos os clichês do filme, este é o mais superficial. O quanto pode ter sido proposital da parte de Allen, não é claro. Rita é caricata. Uma mulher mais velha que teme as mais jovens e só é capaz de seduzir um homem apelando para investidas diretas que beiram ao constrangimento. Sem dúvida há estratégias muito mais interessantes e mulher mais experientes sabem disso.

Como o mais atraente em Abe é a postura de quem precisa ser salvo, os seduzidos não costumam medir a profundidade do buraco prestes a caírem. Em uma lanchonete com Jill, quando começam a ouvir a conversa de uma desconhecida, Abe tem uma ideia completamente absurda, que leva a cabo e o torna o tal homem irracional. O disparate é curiosamente o que lhe devolve o propósito da vida.

Abe, vale dizer, é o tipo que contempla a si mesmo e até faz de si um espetáculo. A cena da roleta russa mostra bem esse traço… O filme possui passagens engraçadas, além de belíssima fotografia, cheia da luz do sol e de paisagens naturais. Contrasta – ao mesmo tempo que combina – com a melancolia de Abe.

A sensação de um filme pouco criativo é porque Woody Allen passa por vários trabalhos de sua própria filmografia. Perde mais quem já viu tudo.

Homem Irracional está longe de ser um filme ruim. Só não é dos mais originais, considerando a veia sempre criativa do cineasta. Contudo, há algo Interessante em Woody Allen. Por mais que saiamos do cinema pouco satisfeitos, fica aquela sensação de termos reencontrado alguém que muito nos conhece. Sabe aquele amigo complicado, mas muito querido, que sempre revela com humor ácido que nada faz mesmo muito sentido?

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.