Pondé assina o mais quente dos guias politicamente incorretos

O filósofo Luiz Felipe Pondé costuma dizer que daqui a cem anos seremos lembrados como mimados, ressentidos e covardes. E ele, como será lembrado daqui a cem anos?

Talvez, como o escritor visceral, o colunista ácido, o direitista “reaça” ou ainda: o filósofo apaixonado pelas pernas das mulheres.

Lançado pela LeYa, o Guia Politicamente Incorreto do Sexo não poderia ter sido escrito por outra pessoa. O assunto lhe escapa da língua como bom dia. Quem o acompanha semanalmente no jornal Folha de S.Paulo sabe. É a luxuria o seu pecado acariciado sem mea culpa. Paradoxalmente, é também o mais combatido por sua natureza debochada. “Para Danit” é a dedicatória de quem vai, a seguir, irromper em ataques aos mal amados.

Ou melhor, aos “chatinhos e chatinhas”. Ao que as mais de 200 páginas de aforismos indicam, a condição primeira do “bom comedor” e da que “gosta de dar” é a generosidade. Apesar dos textos serem curtos, ler com calma é não ter pressa de gozar. A trepada literária – que pode ser feita em público – requer que se demore em cada verbo “incorreto”: chupar, gemer, penetrar…

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Luiz Felipe Pondé.

Foi em sua primeira participação na série de guias politicamente incorretos que Luiz Felipe Pondé despontou entre os autores populares. Pela primeira vez no Brasil, um livro de filosofia emplacaria entre os mais vendidos. Trata-se do Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (2012).

Mas foi um ano antes, em Contra um Mundo Melhor – Ensaios do Afeto (2011), que o autor desistiu de escrever para os intelectuais. Sua prosa flutua entre o erudito e o popular, preferindo e acolhendo os de alma inquieta. A “praga” a que combate, a do politicamente correto, segundo o autor neste guia: “cria uma cultura de ignorância e proibição que fere até as ideias que um dia podem tê-la animado, como o direito de pessoas viverem como querem viver sem dar muitas satisfações aos chatos do mundo.” Ele refere-se, nesta sentença, à Academia.

É dela que o escritor veio. Formado em filosofia pela Universidade de São Paulo, fez doutorado também na USP, em parceria com a Universidade de Paris VIII. Ele é o inferno no debate porque suas raízes são profundas, como todo obcecado. O pós-doutorado, feito na Universidade de Tel Aviv, em Israel, e na Universidade de Giessen, na Alemanha, foi em Epistemologia.

Não é sem razão então que o filósofo é adorado, na mesma medida em que é odiado. De que lado cada um está, depende do quanto se melindra com seu vocabulário sem desvios: “O amor anal é sempre selvagem e mais íntimo do que todos os outros”. Ou ainda: “As mulheres ainda vão sonhar com o tempo que faltavam com o respeito com elas nas ruas.” Neste guia, a mulher que gosta de sexo é chamada por Pondé de “devassa”. Sua definição é clara: “A mulher que gosta de homem e não é histérica.”

Em um livro anterior, A Filosofia da Adúltera – Ensaios Selvagens (2013), as sentenças indomáveis foram tímidas diante do que o Guia Politicamente Incorreto do Sexo apresenta. Voltemos dois anos: “Faço filosofia sobre o que está dentro das pernas das mulheres porque gosto de estar entre as pernas das mulheres.”

Ao contrário de outros livros, como o já citado Contra um Mundo Melhor, o escritor não se aprofunda em pensamentos de outros autores. Ele os cita, é claro, e a lista é útil como roteiro para enriquecer qualquer debate. Pondé sublinha axiomas de Baruch Spinoza, Karl Kraus, Jorge Luís Borges, Phyllis Schafler e, de passagem, cita Michel Foucault, Jacques Derrida, Slavoj Žižek, Alain Badiou, Friedrich Nietzsche e Emil Cioran. “Dirão os pobres de espírito que sou superficial. Mas, no fundo, não me interessa o que os pobres de espírito pensam. Só lembro que existem porque são maioria e na democracia, o regime de quantidades por excelência, a maioria pesa no seu pescoço.” Escreve em sua própria defesa.

É que o intuito de Luiz Felipe Pondé, pelo que se nota, é o de alertar sobre o que tantas proibições estão fazendo com os relacionamentos, fundamentadas em teorias que só funcionam no mundo dos androides: “As gerações mais jovens são cada vez mais educadas na ignorância do afeto, graças às taras teóricas de um bando de gente chata e sem repertório filosófico real, a não ser seu velho ressentimento contra a vida dos outros.” O guia, do meio para o final, vai ficando mais denso, ambientando o leitor em outras questões, além do desejo homem-mulher, que é a posição pela qual observa.

 

Em defesa das mulheres que desejam amar o escritor cita, inclusive, uma autora que por muito tempo foi considerada feminista, a filósofa americana Camille Paglia, hoje declaradamente dissidente do movimento. Uma das passagens mais interessantes do livro é: “A maior repressão à sexualidade feminina hoje vem do feminismo. E mais: os especialistas em gênero são gente, normalmente, solitária. Os gays se divertem com o modo como alguns héteros odeiam a si mesmos.” É politicamente correto deixar claro que o filósofo é declaradamente a favor das relações homossexuais e da liberdade do indivíduo de viver e se relacionar como deseja.

Sobre o puritanismo político, destaca-se o raciocínio: “O puritanismo “correto” atual é de natureza política, e não moral. Caracteriza-se por reprimir a sexualidade feminina a partir da ideia de que uma mulher “livre” não se submete ao homem. E, quando o faz, ela faz por ter caído de volta na condição de suas avós, infelizes oprimidas. A marca desse puritanismo político é não entender que o desejo é sempre uma submissão a quem se deseja.” O autor ainda escreve sobre a emancipação masculina: “Só gente cega não entende que tudo o que afeta o homem afeta a mulher e vice-versa.”

Para quem ainda acha que Luiz Felipe Pondé é machista, vale o exercício de ler seus aforismos com outros olhos. Será que o escritor não deseja preservar a espécie que o inspira? “Mesmo diante de Deus, o homem escolheu a mulher. Fosse Eva uma feia, a Criação estaria no seu lugar até hoje. Quando se começa a mentir sobre coisas básicas como essas, estamos perto do fim. Como alguém pode dizer que a Bíblia é machista quando Eva venceu Deus no prólogo do drama cósmico?”

Então, foi bom para você?

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.