Fausto. Jó. Pondé. Três joguetes nas mãos de Deus e do diabo. Para encerrar as comemorações de 1 ano desta revista, o filósofo Luiz Felipe de Mefisto arrazoa os dois personagens, o bíblico e o literário; e desfila venenosos versos sobre os dois maiores poderes do nosso mundo. Apesar de curta, a entrevista finca como ferroada de abelha rainha. Agora, quem é você neste paralelo: Jó ou Fausto? Seja quem for, você também é um joguete. Leia e responda para si mesmo. Para nós, não precisa, pois já sabemos.
FAUSTO – Fausto e Jó podem ser vistos como vítimas da vaidade de Deus?
Pondé: Deus nunca é vaidoso na Bíblia Hebraica. Ele é aquele que é. Todos o invejam. Fausto é vítima da própria vaidade e Jó, da idolatria da própria virtude. Eles é que são vaidosos. Agora, conviver com Deus é insuportável. Basta conviver com alguém muito melhor do que você para se ter uma ideia.
Quais são as principais diferenças entre Fausto e Jó?
Fausto quer saber o que Deus sabe e, como todo ser humano nessa situação, acaba virando o demônio. Jó acha que é bom e, como todo homem que se acha justo, acaba desesperado porque não há retribuição na relação com Deus. Fausto descobre que o saber divino no humano é sempre demoníaco e Jó descobre que a primeira virtude é sempre a humildade.
É possível confiar em um Deus que aceita ser parceiro de aposta com o diabo?
Pondé: Sim, porque o problema no livro de Jó não é esse, mas a idolatria da própria virtude de Jó, que se acha santo. Só Deus decide quem é santo. Achar que o problema do livro seja a aposta com o diabo é como achar que o problema de Hamlet é o tio ter comido a mãe dele.
Qual é o problema então?
O problema, na verdade, é: a mãe dele era a rainha e o marido, rei, por vontade de Deus, e os dois o mataram. Se o tio tivesse comido a rainha e só, o crime era irrelevante em comparação ao regicídio. Mas em Fausto, o que ele quer é saber tudo, como Deus. O Diabo no Fausto é um invejoso. Em Jó, um gerentezinho de merda que faz a aposta porque Deus quer que ele faça.
Desde o fim da Idade Média, a história da humanidade é uma história de sucessivas crises?
De certa forma. A modernidade é uma crise arrogante.
Por que arrogante?
Porque se crê a criadora de um mundo melhor.
Qual é o papel do Amor, tanto na vida de Fausto como na vida de Jó?
Nenhum em Jó. Em Fausto, é um motor de desmedida.
O que vem a ser motor de desmedida?
Pondé: No livro de Jó o amor romântico não é uma questão essencial, inclusive porque o amor romântico não é um tema propriamente antigo, é mais medieval. Se falarmos de amor romântico como fonte antiga, bíblica, sem dúvida nenhuma falaremos do livro Cântico dos Cânticos. Agora, do ponto de vista de Fausto, o amor romântico nada mais é do que mais uma das fomas de desequilíbrio do próprio personagem. É o que o leva à famosa “desmedida fáustica”, que é uma marca da tragédia, quando o homem dá um passo acima da condição dele. Por isso quando falamos de desmedida, na Grécia trágica a palavra era hybris, isso significa o homem mais longe do que ele mesmo quer, por conta de um instinto quase maldito que ele tem, de não respeitar os próprios limites. O amor romântico nesse horizonte é mais um dos motores de desmedida.
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