Aperte o play no álbum Home Again, de Michael Kiwanuka, e se prepare para viajar no tempo.
Viajar para uma época distante, um passado remoto. Quem sabe ao certo? Cada um possui o seu lugar secreto, aquele perfeito para ir nas ondas de algo extraordinário. Michael Kiwanuka.

A música do moço diminui a velocidade dos pensamentos e alivia a inquietude… Esse disco de estreia é vanguardista assim a ponto de despertar saudade de uma época que, talvez, nunca tenhamos vivido. Não, não é raro tentar encontrar esse nosso encaixe no mundo. Como Kiwanuka canta: um dia eu sei que me sentirei em casa de novo.
Isso é espiritual. É religioso. É memória.
A música de Michael Kiwanuka abarca imensa carga de memória: cultural, racial e social – ou seja, histórica. E tudo isso ao mesmo tempo produz, de alguma forma, um reconforto emocional. Falar sobre… Cantar sobre…
Memória e saudade formam um bom lugar para ficar. Um lugar quente, como a voz de Kiwanuka é quente, e consegue preservar o melhor da música do passado numa proposta sonora moderna, cheia de nuances sutis e étnicas. Este último item, mais presente no álbum Love & Hate, de 2016.
Ele combina folk, indie rock e R&B, além, claro, de referências ugandenses.
Home Again é uma obra-prima que exalta a música tal qual ela é: uma arte que nasce dos sentimentos com a missão de entender os sentimentos.
Britânico, mas de pais naturais de Uganda, fugidos do regime de Idi Amin nos anos 1970, Michael Kiwanuka começou sua carreira como guitarrista em bandas de colégio.
Fã de Jimi Hendrix, o black man se inspirou no guitarrista para acreditar que um dia conquistaria um lugar de destaque, embora jamais pensara que seria como cantor.
Só que a vida tem dessas de imprevisão. Em determinado dia, uma coleção do Bob Dylan encantou Kiwanuka a tal ponto que o garoto começou a criar suas primeiras composições e gravações.
Por incerteza, contudo, inseguro se seria aceito com uma música tão voltada para as emoções, Kiwanuka não ousou mostrá-las a ninguém.
Que bom, contudo, que um dia suplantou o medo e alguém apostou em seu talento. Esse alguém, Paul Butler, dos Bees. Kiwanuka, lá no comecinho, chegou a abrir shows para Adele.
Do álbum Home Again, a canção Rest é de uma melodia e letra quase religiosas, o que prova esse mergulho sonoro-emocional.
Outro destaque do álbum é I’II Get Along, tão naturalmente sensual.
Apesar dessa estética sonoramente ligada ao passado, não é bem o que Michael Kiwanuka gosta de ouvir. Radiohead e Nirvana são duas grandes bandas em seu coração.
Ele estudou jazz na Royal Academy of Music, além de música pop na Westminster University.
Uma de suas grandes inspirações, que formou essa sua identidade musical foi Otis Redding. Sensualíssimo, poderosíssimo.
Junto de Otis, Michael Kiwanuka consta na magnífica trilha sonora de Big Little Lies, série da HBO. A poderosa canção Cold Little Heart, do álbum Love & Hate, é tema de abertura da trama também tão cheia de memórias e afinidades entre vivos e mortos, experiência e lembrança.
De Love & Hate, é preciso destacar Falling e I’ll Never Love. E The Final Frame é arrebatadora!
A proposta das letras de Love & Hate é apresentar os dissabores da paixão, seu lado mais Georges Bataille quando diz que a despeito das promessas de felicidade que a acompanham, ela introduz, antes de mais nada, a perturbação e a desordem.
Ou seja, trata-se de dores, de rancores, de mágoas, o que o amor destrói em nós e nos outros sob a égide de sua própria natureza. Porque amor é potência sobre a qual ninguém tem controle.
Black Man in a White World é seu recado sobre a questão racial. Uma belíssima canção, de letra e música.
A música de Michael Kiwanuka é completa, bela, tocante. Sua voz, barítono, é essa fonte esquecida do passado que jorra como se pudesse conectar tempos distintos.
Michael Kiwanuka é isso: interconexão. Suas palavras-chave; tempo, espaço, memória e saudade. Seus álbuns de canções longas são propostas ousadas e imersivas para almas impetuosas.
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