O principal objeto de análise da vasta obra de Nelson Rodrigues — seja como cronista, contista, dramaturgo, romancista ou jornalista — é a imutável natureza humana, essa indesejável que sempre vem à tona, apesar das inúmeras tentativas de escondê-la.
Os epítetos para defini-lo vão de reacionário a tarado, mas, como gênio que foi, nenhum conceito pode enquadrá-lo.
A habilidade de Nelson Rodrigues de escrutinar o nosso feitio e mostrá-lo de maneira nua e crua o coloca no Olimpo dos grandes pensadores da história do Brasil e um dos mais brilhantes artífices da língua portuguesa.
Natural de Recife, Pernambuco, Nelson foi jogado ao mundo em 1912. Sua família mudou-se para o Rio de Janeiro em 1916, principal cenário de seus personagens e laboratório de sua cosmovisão.
“Rodriguiano” tornou-se um adjetivo, usado para descrever qualquer situação da vida que se assemelhe a alguma tragédia, fictícia ou não, do autointitulado Anjo pornográfico — nome também da monumental biografia de Nelson, de 1992, assinada por Ruy Castro.
“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou — e sempre fui — um anjo pornográfico.”
Exímio aforista, Nelson criou máximas que retumbam em seus leitores, muitas vezes fazendo-os pensar no que não haviam pensado antes; noutras ocasiões, o autor diz o óbvio que, não obstante, não somos capazes de enxergar: o óbvio ululante.
“Só os profetas enxergam o óbvio.”
E Nelson enxergou. Da extinção do “canalha honesto” à “esquerda festiva”, o escritor antecipou fenômenos sociais que só nos atentaríamos décadas depois, assim como fez Dostoiévski em Os Demônios, ao “profetizar”, no final do século XIX, o que a Rússia viveria com a ascensão da União Soviética.
O “canalha honesto”, imortalizado na figura do personagem Palhares, seria um pulha nos dias de hoje, afinal, todos são “bonzinhos” e fazem questão de mostrar que são.
Se assumir-se canalha é para poucos, o próprio Nelson, muito provavelmente, seria expurgado do debate público nacional, costumeiramente habitado por canalhas desonestos.
Nelson enquanto dramaturgo chocou a família burguesa brasileira com o seu “teatro obsceno”, perturbando o status quo – Álbum de Família, escrita em 1945, foi proibida de ser encenada no ano seguinte, sendo liberada cerca de duas décadas depois; como cronista esportivo, deu uma dimensão metafísica ao futebol. “O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada.”
E, enquanto pensador — ou moralista, no sentido de filosofia da moral —, foi um observador do comportamento humano, jogando luz àquilo que empurramos para debaixo do tapete.
Nelson nos deixou em 1980, mas continua sendo uma figura indispensável para nos entendermos enquanto brasileiros e, principalmente, enquanto humanos — esse ser inexoravelmente caído.
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