Nuno Costa Santos: “A literatura é no máximo um paliativo”

Em Portugal, Nuno Costa Santos está no rádio, na televisão, no teatro e na mídia impressa. Ele está também – e que maravilha! – nos livros. Escritor premiado e argumentista, é autor de Céu nublado com boas abertas, Vou emigrar para o meu país e Dez regressos. Nascido e crescido no arquipélago de Açores, Nuno é o segundo convidado da Série Ora Pois!, exclusividade FAUSTO, reunião de nomes portugueses que merecem leitura constante cá deste lado do oceano. A seguir, uma prévia de seu amplíssimo repertório, suas causas e recusas, além de sua forma de ver Portugal e a literatura da casa. Sobre Pessoa, Vieira, entre outros, apresentamos: Nuno Costa Santos. 

Nuno Costa Santos
Nuno Costa Santos. Foto: Vitorino Coragem.

FAUSTO – Quais autores portugueses o leitor encontra como que plainando em seus textos?
Nuno Costa Santos: Não sei. Ou melhor: é melhor não arriscar. O que posso dizer é que houve vários autores portugueses que visitei ao longo dos anos, sobretudo naqueles em que uma pessoa está mais vulnerável a influências. Passo Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, que foram aqueles amigos com quem ficava em casa à conversa, aos 18, 19 anos, em vez de ter a decisão sensata de sair à noite. Salto para Alexandre O’Neill, autor atento ao pormenor mundano sem perder a verve lírica. Para Fernando Assis Pacheco, certamente, como poeta e como jornalista – as peças jornalísticas dele são edificadas à base do melhor português. Palavras bem escolhidas, verbo tenso, sentimental e pícaro. Tenho um respeito grande pela prosa de José Cardoso Pires, que trabalhava a frase como quem decanta um vinho. Ruy Belo interessou-me muito, sobretudo aquele que escreveu este poema curto: “passeou pelos espelhos dos dias/ suas clandestinas alegrias/ que mal se reflectiram desertaram”. E Mário-Henrique Leiria e Alface, com as suas histórias vivas e delirantes. E, definitivamente, Raul Brandão, autor que tratava literariamente a vida com a dignidade que a vida merece, preferindo o campo às cidades, contaminadas pela avidez e pela atenção nula a quem dela precisa. A descrição que fez, em reportagens, dos pescadores é um tratado de como saber olhar os outros com literária generosidade.

O que o seu texto mais defende?
No outro dia falava disso com o João Pereira Coutinho. Se há alguma coisa em que insisto, que topo em quase tudo o que escrevo, é na vontade de dizer que isto é tudo cinzento, que usar o preto e branco para tentar dizer o mundo, as vidas, as relações, é cair num erro primário e escusado. Pode dar muitas palmas, como acontece com quem sobe para uma mesa e começa a falar cheio de certezas, mas é um tiro ao lado. Aborrece-me a literatura épica e os seus personagens. Os seres divididos, dilemáticos, que é o que somos na maioria, fascinam-me. E a literatura que os persegue.

Em contraponto, o que o seu texto mais acusa?
Antes de mais, a ideia de que a literatura pode salvar alguma coisa. A literatura é no máximo um paliativo. Quem entra na escrita com o objectivo de curar alguém ou os males da humanidade acaba com uma doença incurável: a do ridículo. Penso que o meu texto também acusa o cinismo, aquela posição de observar o mundo a partir de um camarote protector mas no fundo medíocre. É preciso rebolar na lama, ter dúvidas, rir e chorar, ter fascínio e medo. Quem vem para aqui só para praticar o desporto do cinismo devia ser desqualificado por não cumprir os mínimos que a vida exige. Não saía, mas ficava no banco, de castigo.

Em que medida a literatura portuguesa está presa à religião católica? Ou seria às religiões?
O catolicismo ainda marca várias dimensões da vida em Portugal. Mas não acredito que a literatura portuguesa esteja presa ao catolicismo. Há até uma vontade generalizada, entre novos autores, de afastar o catolicismo do que contam. É como se fosse uma atitude espiritual do passado, associada a um país apegado a uma modalidade prisioneira de catolicismo. Devo dizer que fico feliz quando vejo hoje um autor português de qualidade a nomear Deus ou o divino. Crendo-se ou não, é uma dimensão da existência que não deve ser apagada de forma violenta. Há muita gente, entre as gentes das letras, que se ri de quem nomeia uma entidade divina, como se isso fosse uma fraqueza ou uma pirosice. Essas pessoas deviam ir para o ginásio praticar o pluralismo.

É possível compreender a literatura portuguesa sem entender a literatura de Padre Antônio Vieira?
É possível, sim, porque foram crescendo várias tradições e diversos caminhos, muitos deles influenciados por tradições de outras países. Mas quem quer conhecer um momento de excelência na palavra e no pensamento em português pode visitar as obras de Padre António Vieira. É como levar um estalo, para usar uma palavra da sua preferência.

Crê que uma “autoestima nacional” tem a ver com, primeiramente, a conquista de uma língua própria?
Acho que a língua é fundamental para essa autoestima. Que quer deste quer desse lado – pelo que vejo e leio – por vezes anda nas ruas da amargura. Não devia ser assim. A nossa língua e aquilo que os escritores já fizeram com ela deve encher-nos de orgulho. Temos várias selecções possíveis de escritores, capazes de ganhar qualquer copa.

Hoje, estamos submersos numa cultura do excesso da palavra? Redes sociais, milhões de blogs, todo mundo tem opinião sobre tudo…
Creio que as redes sociais têm tanto de bom como de tenebroso. O lado negro é a potencialidade para gerar o vício de estar sempre a opinar e sempre a ler opiniões. Temo que esse ruído não tenha fim. Um dos motivos principais para isso é o facto de grande parte das pessoas que está nas redes não ter consciência do vício. Já não distingue o que é ruído do que é música.

Qual joia literária recomenda como antídoto à barulheira de nosso tempo?
A obra do filósofo Byung-Chul Han tem sido uma reflexão sobre essa barulheira e uma reivindicação do silêncio e da libertação de todo o tipo de “enxame” digital. Os seus livros, que até são mais pequenos do que muitos comentários de internet, merecem ser lidos em jardins sem wireless.

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.