PRINCIPIΩ em São Paulo, o bastidor

PRINCIPIΩ passou por São Paulo, finalmente! Houve grande espera pelas três noites. O cantor de música religiosa Leonardo Gonçalves desde abril vem cantando pelas maiores cidades do Brasil para se despedir. São Paulo haveria de ser especial porque, entre tantos motivos, foi a cidade onde tudo começou. Quanta coisa mudou em três anos!

Enquanto estive sentada, no bastidor, atrás do baterista Mucão, na noite de estreia, me veio à mente um punhado de pensamentos soltos que, embora ilógicos aparentemente, me revelaram esta verdade: como sou diferente daquela que esteve presente na gravação do DVD, em 2013. Bom, ninguém é o mesmo cada dia que passa e é um equívoco pensar que ser o mesmo, inclusive, é algo do qual devemos nos orgulhar.

Leonardo Gonçalves também não é mais o mesmo.

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Foto: Lucas Motta.

Perdoe-me, Leonardo. Perdoe-me porque vou revelar o bastidor.

Cobertura exclusiva deve ir além de uma narração sistemática. Música após música, o desempenho do artista, teatro lotado… Esqueça tudo isso. Esqueça também os melismas e os agudos. Meus ouvidos não são imparciais como nunca serão meus olhos. Por isso o olhar díspar. Por isso o bastidor.

O bastidor é muito mais interessante do que o palco porque é nele que ficam as nossas vulnerabilidades: o medo do fracasso, a vontade da superação – essa que perturba até os primeiros segundos quando então se esvai com o calor do holofote. Ou talvez perturbe até o último segundo. Não sei, observar não é atuar. É pobre a narração de quem não sente na pele. É superficial a análise de quem não pode ler o coração.

Mas foi no bastidor que vi o homem despido do ídolo. O seu rosto hoje estampa camisetas de adolescentes eufóricos. Como assim de um homem comum se fez um ideal? O terno bem cortado, porém, veste o ser humano que talvez muitos não conheçam, mas quem certamente julgarão até o fim.

Concentração, presteza, flerte nítido com o ideal de perfeição. “Sublime”, “Novo” e “Getsêmani” pedem notas altas. Sempre serão músicas esperadas. Se elas, porém, não querem mais levá-lo a um lugar tão alto, talvez tenham um plano maior: dar-lhe às palavras.

Em um dos dias, no sofá de um dos camarins havia um livro. Leonardo orou com sua equipe e se dirigiu à porta. Ele poderia não ter voltado. Mas voltou. Voltou para ler o título do livro. Diz-se que o diabo está nos detalhes. Mas creio ser mais uma rixa do anjo caído. Deus está nos detalhes! Quando Leonardo volta, ele diz quem é.

No bastidor estão as respostas. É a descrição respeitosa e gentil do baixista sobre o menino que precisa e merece descansar. Ocimar de Paula contudo não escondeu a faísca de esperança de que ele volte, e tudo continue como foi nos últimos três anos.

No bastidor está também o abraço do baterista Mucão quando ninguém vê, e que serve como um consolo breve porque algo não saiu como devia. No bastidor está um dos nomes mais importantes da carreira de Leonardo Gonçalves: Felipe Mudo. Não é apenas a destreza para comandar o espetáculo, é a presença de espírito, é o laço mais forte de amizade e lealdade.

No bastidor está a doutora Blacy Gulfier, quem faz de tudo para soltar a voz do rapaz enquanto simbolicamente segura firme sua mão, e nestes últimos dias de forma tão, tão imprescindível.

O diretor artístico Hugo Pessoa é um rapaz bonito, alto, loiro, de porte elegante. Mas algo em sua postura o entrega enquanto tal: reações espontâneas que beiram à ingenuidade. Ele lamenta e celebra qualquer coisa de maneira tão natural que só poderia resultar no espetáculo sem cortes que é PRINCIPIΩ. Isso é sério! A marca LG tem força porque é de verdade. O respeito de cada um se revela no melhor que cada um dá em sua função. Quem tem ouvidos ouça a maneira como toca Samuel Silva, o tecladista. Ou os segundos finais de “princípio e fim” e o solo de Edgard Cabral.

Quem contribuiu com alguma frase sobre o artista – mesmo de maneira despercebida – ajudou-me a comprovar uma hipótese que trabalhei em silêncio desde abril, quando foi anunciado o fim. O Leonardo dos bastidores talvez jamais se revele. Impossível, porém, é que este não explique o fenômeno que o Leonardo dos holofotes provoca no palco.

Foto: Lucas Motta.
Foto: Lucas Motta.

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.