O que você gostaria de escrever em suas memórias póstumas, se o além-túmulo lhe desse a oportunidade de, assim como Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, revisar toda a sua trajetória e contá-la em prosa para os que aqui continuam?
Brás Cubas não chegou a melhor das conclusões — e não queremos julgá-lo por isso. Afinal, trata-se de uma percepção subjetiva, a ver, quiçá, mais com temperamento do que experiência de vida.
O personagem do Bruxo do Cosme Velho morreu sem alcançar a celebridade de seu emplasto, bem como a cadeira de ministro, que tanto almejou. Também não se casou e não procriou: “Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
A história de Brás Cubas se passa no século XIX, em um contexto que as coisas eram — ou ao menos pareciam ser — mais sólidas. Hoje em dia, quem tivesse a oportunidade de imitá-lo armazenaria suas memórias na nuvem, com diversos hiperlinks direcionados para várias plataformas, que se desdobrariam em linguagens distintas e, quem sabe, com possibilidade de edição post mortem.
Pensar na morte, o memento mori, é algo que poucos estão dispostos a fazê-lo — ou estão, simplesmente, ocupados (sobre)vivendo. Mas e se, assim como Brás Cubas, pudéssemos pensar na vida enquanto mortos? Você colocaria só as glórias ou assumiria os fracassos?
Levando em consideração que qualquer tipo de vaidade desapareceria no outro plano, talvez os reveses daqui seriam vistos como quimeras de meros mortais.
Seja qual for a vida que você leve e qual tipo de sentido atribui a ela — ético, estético ou religioso, nos estágios de Kierkegaard —, qual lição ou aforismo valeria a pena legar para os seus outrora iguais?
A despeito de a nossa época ser distinta da de Brás Cubas, a imutável natureza humana e suas intrínsecas questões existenciais permanecem as mesmas. Talvez, intensificadas, pela quebra de vínculos comunitários, perda de força da religião e mercantilização das relações.
Todos os avanços tecnológicos, velocidade de informação e ferramentas que prometem otimizar nossas vidas nos levam, cada vez mais, a viver menos o presente, esquecer o passado e focar somente no futuro — esse tempo vindouro que nunca chega, mas permanece sempre à espreita.
O homem moderno acostumou-se a gravar os próprios momentos em vez de vivê-los: o importante é mostrar onde está, o que está fazendo e comendo. Um incessante marketing de si mesmo.
Como isso impactaria nós, os Brás Cubas modernos?
Teria a memória se tornado um luxo de ociosos com tempo para cultivá-la?
Embora o atual zeitgeist force-nos a contemplar cada vez menos — e o cultivo da memória exige o exercício da contemplação —, faz-se necessário, como forma de alimentar o espírito, voltarmo-nos às nossas memórias afetivas e viver momentos que criem recordações de uma vida que valeu a pena ser vivida.
O que você gostaria de escrever em suas memórias póstumas?
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