Pedro Juan Gutiérrez: literatura suja para afugentar os puristas

“A arte só serve para alguma coisa se for irreverente, atormentada, cheia de pesadelos e desespero. Só uma arte irritada, indecente, violenta, grosseira pode nos mostrar a outra face do mundo, aquela que nunca vemos ou nunca queremos ver para não causar incômodos à nossa consciência.”

“A arte não tem explicação porque é um mistério. É evanescente. Não se pode tocar, não se pode usar, não se pode explicar. É por isso que não suporto os críticos nem os estudiosos, que tentam entender e explicar tudo.”

As citações acima estão, respectivamente, em Trilogia suja de Havana e Fabián e o caos, de Pedro Juan Gutiérrez. São perfeitas para defini-lo, ou melhor, definir a sua obra — mas há diferença entre um e outro?

O escritor, jornalista e pintor cubano, nascido em 1950, na cidade de Matanzas, é uma espécie de Bukowski dos trópicos. Sua narrativa sobre Cuba é de uma crueza perturbadora, mas, ao mesmo tempo, de uma resiliência — na falta de uma palavra melhor — arrebatadora.

Gutiérrez também trabalhou como vendedor de jornais, cortador de cana-de-açúcar, soldado, locutor de rádio entre outras atividades que prefere esquecer. Talvez por isso sua verve literária seja tão realista: o autor vivenciou o que relata em seus livros, o que possibilitou uma descrição fidedigna da pobreza e do submundo cubano.

“A vida não dá para ser vivida e entendida. Você tem que escolher.”

As três obras lidas por este que vos escreve — Trilogia suja de Havana, Fabián e o caos e O Rei de Havana — se passam em uma Cuba que foi devastada pela miséria. A despeito do contexto, seus moradores vivem no que Kierkegaard definiria como estágio estético: nutrem-se de rum, cigarros e sexo, muito sexo, em uma luta inglória pela sobrevivência.

O sexo na obra de Gutiérrez não é nada sutil ou erótico: é explícito e, por que não dizer, pornográfico. Aliás, não há sutilezas nos livros do autor. A intensidade de sua escrita chega ao cúmulo do incômodo.

“As pessoas hipócritas no sexo geralmente fazem muita sacanagem quando estão vestidas”.

Os livros do autor cubano têm um forte traço biográfico. A marginalidade da narrativa vem da transgressão das convenções literárias, fruto de uma autenticidade rara em autores contemporâneos.

“Externamente não tenho problemas. Todo mundo acredita que há um único Pedro Juan, muito sólido, muito eficaz e muito alegre. Não imaginam que no interior todos os Pedritos estão dando pescoções e rasteiras uns nos outros. Todos tentando botar a cabeça de fora ao mesmo tempo.”

Você pode odiar sua forma de escrever, mas é impossível ser indiferente.

A crítica social presente na escrita de Gutiérrez passa longe do vitimismo. Suas personagens dançam conforme a música — muita salsa —, tentando a todo o custo sobreviver em meio ao caos e à miséria.

“O medo aflora antes que qualquer outra coisa. É só esquecer. Esquecer o medo. Fazer como se ele não existisse. E viver”.

Certamente pelo fato de também ser pintor, o trabalho literário de Gutiérrez é extremamente visual. Suas descrições acerca da condição socioeconômica de Cuba entram no nosso imaginário e tornam-se quase tangíveis.

Sem dúvidas, Pedro Juan Gutiérrez é um dos grandes nomes contemporâneos da literatura caribenha e latino-americana, publicado em diversos países e idiomas. Mas, se você for muito asséptico ou purista, fique longe de seus livros: a quantidade de fluidos — dos mais variados — podem incomodá-lo em demasia.

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Túlio França Escrito por:

Escritor. Todo o resto deriva disso.