Por que Madonna ainda é relevante?

Hoje, Madonna faz aniversário. O mundo fala sobre isso. O mundo revive os melhores momentos de sua carreira e é justíssimo que assim o faça. Porque Madonna jamais deixará de ser relevante. Menos pela música e mais pelo comportamento. Ou, talvez, porque usou a música para revolucionar o comportamento. O meu, o seu, o das minorias. No contexto em que surgiu, certamente as minorias eram mais segregadas. Hoje, sem dúvida, são mais livres. Não exclusivamente por Madonna, é claro. Mas também por Madonna. Voltemos no tempo para relembrar.

Aniversário_Madonna_58_anos

Videoclipe de Express Yourself, minuto 3’13. Madonna surge em uma das cenas engatinhando e ao passar por debaixo de uma mesa chega à uma tigela de leite. Ela o lambe como uma felina. O gato que a cantora segura desde o início do filme percorre os cenários e para nas mãos do homem que se torna sexualmente de Madonna. O gato, símbolo de independência, autossuficiência, pode ser compreendido no contexto como também aberto ao amor, ao carinho, mas como a altivez é sua principal característica, ele deve ser visto como um selvagem que não tem medo de permanecer no colo de alguém.

Madonna, ora vestida de homem ora com cinta-liga e lingerie sensual, reparte o ser mulher. Sem delongas, a artista expõe as úlceras de um movimento que emancipou a mulher, sim, mas talvez tenha tirado dela o direito do apreço pela intimidade quente, sensual, que não parece poder acontecer de outra maneira a não ser pela entrega. Seria este o direito de expressar livremente os próprios desejos e sentimentos, sem inclusive o julgamento de si mesma por si mesma, muito menos de outras mulheres.

A ensaísta americana Camille Paglia, sobre este vídeo, em artigo publicado no início dos anos 1990, define: “a persona sexual Madonna é alternadamente dominadora travestida e escrava do desejo masculino”. Soem os alarmes! Escrava do desejo masculino?

Ironias à parte, o que se supõe ter acontecido – simultaneamente e na mesma proporção que os “direitos” iam sendo conquistados – foi a instauração de um medo de que todas as qualidades tão custosamente reveladas em anos de feminismo se tornassem domínio do homem outra vez. Mas o plano de Madonna não falhou.

A mulher que Madonna representa são tantas, e ao mesmo tempo em que se apresenta vestida como homem e quer dizer tantas coisas com isso, continua amando como uma mulher. Caberia observar: uma mulher que parece aceitar sua própria sexualidade, sem tabus, e por isso mesmo abre caminho para uma participação, digamos, mais “agressiva” em uma relação, o que não se reduz à cama. O “agressivo”, neste caso, seria o “não passivo”. O que não flerta com a promiscuidade, é claro. Só não é mais subjugado.

Não seria essa a conexão com a própria feminilidade – dilacerante, desenfreada, de mil faces, impossível de ser direcionada – a tal mística que se referiu Betty Friedan em A Mística Feminina, em 1963? Madonna é um mito porque instrumentalizou este vulcão de conceitos quentes que, quando se ousa enfrentar, corre-se o risco de queimaduras graves.

Se Madonna ganhou o título, no início de sua carreira, de vulgar – e poucos como Camille Paglia enxergaria o potencial libertador desse conjunto de atitudes – esse título não se tornaria jamais uma paródia nas mãos de uma mulher cuja ambição, autoestima e rebeldia desde sempre foram prerrogativas. Por isso Madonna sempre será relevante. Ela ensinou as mulheres, de maneira divertida, a ter autoestima. Aos 20 anos, aos 30, aos 40, aos 50 e, uau, aos 60.

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.