Os Arrais: deserto é contingência, oásis é graça

Uma experiência poética proporcionada pelo álbum Rastros e Tilha de Os Arrais.

Deserto e oásis são dentro. Não são paisagens, são estados do ser. É episteme.

No deserto não falo. Não tenho voz. Tudo é seco dentro. Não consigo me segurar em nada, cada minuto é grão que entra cortante, é aflição de morder pedra pequena, range e dói.

Oásis é som. Oásis é sonho. É paz que não sei de onde vem. Oásis é improvável, é imaterial. É aquilo que inquieta porque é infinito.

Os-Arrais-Rastros-Trilhas-Fausto
Os Arrais. Rastros e Trilhas.

Sou concreto deserto, mas na imaginação sou oásis. Deserto são meus ossos, minha carne, minha pele. São minhas unhas porosas que lascam e arranham. Deserto é ruga que nasce e diz no silêncio que tenho fim. É minha cor bege, uniforme, que não brilha. Deserto é rumo, rastro; oásis é destino, trilha. É o certeiro fim. Sou apenas mais um grão de areia?

É como oásis quem sente o vazio que sinto. É companhia que não pede explicação. Mas vejo belezas se transponho essa angústia. Miragens se formam quando deixo minha imaginação ir. Imaginação é criança no reino dos fenômenos. É o sublime.

Oásis da vida é o abraço. Amor é Deus em ação. É forma de Deus me alcançar. Abraço é oásis para quem não tem esperança. No deserto estou só, no oásis há sempre um outro.

A passagem do deserto para o oásis é cerimônia que exige entrega. Deserto é risco, realidade última das coisas. Oásis não cabe na linguagem. Deserto é contingência, oásis é graça.

Deserto e oásis são dentro. Sugerem experiências, emitem juízos. O que eu ofereço eu sou. Sou rastro de deserto. Em mim, apenas meus olhos são oásis, fonte ainda de vida, que irriga, mesmo que em lágrimas. Olhos que se voltam para o imenso céu de Deus.

É fé o que me provoca? É fé risonha que desenha no ar metáforas que rezam pela minha inteligência. Ser um ser capaz de compreender desertos.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.