Ricardo Rangel: “O Facebook é a maior das UTIs”

Ele assina artigos para o jornal O Globo e comenta diariamente notícias em seu perfil no Facebook, seguido por milhares de pessoas. Não importa o canal, Ricardo Rangel é louvado e condenado quase na mesma proporção, sem muita ordem ou lógica – afinal, os tempos andam mesmo estranhos. Formado em Administração de Empresas pela UFRJ, possui MBA pelo IBMEC e especialização em cinema pela FGV-RJ. Atuou nas áreas de tecnologia e no mercado financeiro, além de ter sido conselheiro em empresas privadas em segmentos diversos como publicidade, incorporação imobiliária, mineração, educação à distância, licenciamento de conteúdo e distribuição de cinema. O sócio da Conspiração Filmes, uma das mais conceituadas produtoras de cinema e TV, com exclusividade para a FAUSTO fala sobre a árdua tarefa de ser colunista, o ódio na internet, o tsunami de falsas notícias e, claro, a maior de todas as falsas notícias: o direito à felicidade. Louve-o ou condene-o.

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FAUSTO – Ser articulista em veículo de grande expressão em tempos nos quais impera o politicamente correto é:
Ricardo Rangel: Duro… [Ri] Vivemos tempos em que a intolerância campeia e o politicamente correto é um variedade particularmente perversa porque se veste de virtuosa, quando é simplesmente fascista. Considero o politicamente correto o maior problema da sociedade ocidental, ele impede que se pense livremente e, se abdicarmos do pensamento, o desastre é certo.

Incomoda?
A mim, diretamente, incomoda pouco. Como critico muito o politicamente correto, existe um filtro natural. A maioria dos quem me leem não é politicamente correta. Além disso, o que escrevo é frequentemente contra o politicamente correto, mas não é, em si, politicamente incorreto. Quer dizer, ridicularizo bobagens como apropriação cultural, por exemplo, mas não nego que os negros sejam oprimidos nem ridicularizo sua luta pela emancipação. Agora, existe um “patrulhamento politicamente incorreto” também. [Ri] Como critico duramente a esquerda, ou parte dela, muitos de meus leitores ficam agressivos quando elogio ou relativizo alguma coisa. Amigos meus, que têm muito mais leitores do que eu, se queixam da mesma coisa: somos de centro, mas nosso público pelo menos o que se manifesta – está à nossa direita. Tem gente que detesta tanto a esquerda que diz que o Nazismo e a Ku Klux Klan são de esquerda!

Você atua bastante em seu próprio perfil no Facebook, comentando notícias diversas. Qual é o cenário mais desolador que constata?
Sem sombra de dúvida, preconceito, intolerância e agressividade. Há muita gente com opiniões devastadoras, que odeia a esquerda, odeia a direita, odeia rico, pobre, muçulmano. Há muito ódio. E existe o que chamo de ignorância exuberante, gente que afirma coisas sem nenhuma base, que Hitler foi pessoalmente a Moscou se aconselhar com Stalin para criar o Nazismo. De onde as pessoas tiram essas coisas? As redes sociais encorajam a intolerância: te dão cada vez mais daquilo de que você gosta e menos daquilo de que discorda. Quando aparece algo de que discorda, você acha um absurdo, e xinga. É infantil, mas é assim que somos. Além disso, existe a proteção da distância e do anonimato: não há risco de apanhar. [Ri]

Por que as pessoas têm tanto medo de ser refutadas?
Não sou psicólogo… [Ri] Acho que é uma mistura. Todos somos frágeis, medrosos, indefesos, carentes, precisamos da aprovação dos outros. A aprovação, além de ser uma forma de amor, indica que estamos no caminho certo, o que reduz o medo e aumenta a sensação de segurança. Pessoas pouco estruturadas, ou mais carentes, encaram a discordância como uma reprovação e até uma agressão. Sempre que alguém me insulta, tento responder com educação, sem agredir, mostrando que a pessoa foi agressiva.

E o que acontece?
A maioria se sente agredida! E vai embora… A agressividade é um sinal de fragilidade.

Aceitar que ideias que me formaram como pessoa não são verdadeiras me colocam diante de um espelho sobre quem afinal de contas sou eu…
Ah, com toda certeza. Isso vai na linha do que eu disse antes. Nossas convicções nos permitem acreditar que entendemos o mundo, o que nos faz sentir mais seguros, mais confortáveis, diminui nosso medo. Não há nada mais poderoso do que o medo: tentar eliminá-lo, pôr-se em segurança é a chave da sobrevivência, o medo está na raiz do instinto de autopreservação. Ser refutado ameaça nossas convicções e nos faz sentir medo. Mas o tiro pode sair pela culatra. A recusa em abandonar as convicções quando elas se mostram equivocadas pode levar à destruição. Veja certa parte da esquerda, que acreditava que o socialismo era viável e que Lula e o PT eram a salvação do Brasil. Está provado há décadas que o socialismo é inviável, e Lula e PT criaram o maior esquema de corrupção de todos os tempos, mas essa esquerda recusa-se a reconhecer o óbvio, insiste no equívoco, e está sendo jogada na lata de lixo da história. É uma pena.

Sites de notícias falsas deveriam ser combatidos com mais seriedade?
Sem dúvida. Notícias falsas são, na melhor das hipóteses, algo que nos faz perder tempo e energia e, na pior, crimes, crimes que podem prejudicar gravemente alguém de forma indevida. Notícia falsa é sempre nocivo, mas com as redes sociais é muito pior porque a maioria das pessoas não é cuidadosa. Repassa sem verificar a autenticidade e a capacidade de multiplicação do dano é brutal. E mais! Como consultam fontes fidedignas cada vez menos, as pessoas estão perdendo a capacidade crítica, não são capazes de reconhecer notícias que simplesmente não podem verdadeiras. É surreal. Não é nada simples combatê-los, entretanto. Notícias falsas são feitas sem custo e como são bombásticas, se multiplicam rapidamente, gerando publicidade e faturamento para veículos como o Facebook, cujo interesse fica desalinhado do interesse público. E é difícil reprimir, porque as notícias falsas podem ser criadas a partir de qualquer país.

Muitas causas ditas de interesse público, ou de grupos minoritários, seriam mais bem resolvidas se fossem tratadas em terapia, indivíduo a indivíduo?
Já te disse que não sou psicólogo… [Dá risada] Não tenho dúvida de que há muita gente tratando nas redes sociais de assuntos que deveriam ser tratados no divã. Sempre que falo sobre feminismo, por exemplo, aparece alguém me mandando calar a boca, afirmando que não posso falar sobre feminismo porque sou homem. É óbvio que uma pessoa que quer proibir metade da população de falar de um assunto que diz respeito a toda a população precisa de terapia. Meu pai costumava dizer que o mundo é uma grande enfermaria. Eu acho que ele tinha razão. E o Facebook é a maior das UTIs.

Educação é tema recorrente em entrevistas, colunas, matérias e reportagens, além de toda a sorte de projetos e causas brasil afora. Mas, de fato, qual é a lacuna em nossa educação que causa tanto estrago? De repertório? De interpretação? Do politicamente correto em sala de aula? De professores mal preparados?
Educação é, de longe, o maior desafio do Brasil, mas estou longe de ser um especialista. Mas não há dúvida de que a questão ideológica, da qual o politicamente correto é parte, é um problema terrível. Não dá pra acreditar que vamos conseguir educar nossas crianças quando professores acreditam em excrescências como o “lugar da fala”. Não dá para aceitar um professor defendendo que “nós pega o peixe” é algo admissível. Além de isso ser uma idiotice, é uma crueldade, porque um dia a pessoa que diz “nós pega o peixe” vai competir por um emprego com alguém que diz “nós pegamos o peixe”. Ou seja, esse “método” de ensino é a certeza de que vamos manter nossos pobres na pobreza e na ignorância.

Acrescentaria algo?
Além da ideologia, existe o cinismo do professor que tem uma atitude do tipo: “o governo finge que me paga, eu finjo que trabalho”, e que assume uma posição vitimista, atribui todos os problemas a suas más condições de trabalho, como se ele não pudesse fazer nada, o que é no mínimo preguiçoso. O corporativismo, a recusa em aceitar a meritocracia, o grevismo, a estabilidade no emprego, essas coisas são o fim do mundo. Mas, claro, o principal responsável é o governo mesmo. O governo tem que ter um compromisso inquebrantável com a qualidade da educação, o que exige pagar aos professores bons salários, mas também enfrentar o corporativismo, instituir a meritocracia e exigir qualidade. Ou não vamos sair da penúria nunca.

E o direito de ser feliz? É uma crença que livra o indivíduo da responsabilidade?
Claro que ninguém tem o direito de ser feliz, isso é ridículo, uma visão comodista e preguiçosa. Os americanos puseram na Constituição deles o direito de buscar a felicidade, o que é razoável. Já a nossa Constituição prevê uma dúzia de direitos para cada dever, incluindo o direito de trocar todo o sistema digestivo nos EUA por 1 milhão de dólares, enquanto nossas crianças não têm ensino básico e não há saneamento nas favelas. O politicamente correto acha que ninguém pode ser contrariado, nem ofendido, nem nada. E todo dia você vê na TV um comercial dizendo que você pode comprar isso ou aquilo porque você “merece”, ao mesmo tempo que diz que ninguém pode ser feliz se não tiver um tênis que custa mais de um salário mínimo. Então, se eu acredito que ser feliz é um direito inalienável meu, vou me sentir no direito de fazer o que for para alcançar a felicidade. Incluindo dar uma facada em alguém para obter o tal tênis, já que não tenho dinheiro para comprá-lo. Então, acho que, de certa forma, retira a responsabilidade, sim.

Há 7 bilhões de pessoas no planeta. Como lidar com praticamente 7 bilhões de definições diferentes do que é ser feliz? Se o seu direito de ser feliz infringe o meu direito de ser feliz, quem deve ceder?
Cada um tenta ser feliz como pode, mas você não pode me prejudicar, nem eu a você. Onde houver conflito, tem que haver negociação, e/ou arbitragem por um terceiro. Continua valendo o que tia Maricotinha nos ensinou no primário: a liberdade de um acaba onde começa a do outro. A felicidade também. Essa situação que estamos vivendo, politicamente correta, que ninguém pode ser contrariado e todo mundo tem o direito de ser feliz, é uma loucura, porque inviabiliza a felicidade de todo mundo. Usar turbante é coisa que só diz respeito a você, mas, se, de repente, eu invento que turbante faz parte da minha cultura e só posso ser feliz se você não usar turbante… essa é a receita para a infelicidade geral.

 

 

 

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.

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