Fábio Pereira Ribeiro: “Percorri todos os lugares onde Hemingway, Scott e Joyce estiveram”

Um apaixonado por Ernert Hemingway! Mas não só. Fábio Pereira Ribeiro é especialista em inteligência estratégica e política internacional, e já ministrou palestras no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), na Sorbonne e na Universidade de Columbia. Hoje, também escritor, dedica a seu herói literário o primeiro romance: Um Dry Martini para Hemingway, que sai pela Editora Simonsen. O articulista do blog Brasil no Mundo da revista Exame, além de vice-Presidente de Estratégia e Negócios Internacionais do Grupo Educacional Caelis, é mais do que bom entendedor da Geração Perdida e sobre ela é capaz de falar horas a fio, como se falasse de amigos íntimos. Para a Fausto, com exclusividade, Fábio Pereira Ribeiro conversa sobre Ernest Hemingway e sobre a Paris que nunca deixou de ser uma festa. Viagem no tempo!

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Fábio Pereira Ribeiro, autor de “Um Dry Martini para Hemingway”.

Fausto – Um especialista em inteligência estratégica e política internacional se apaixona pela Geração Perdida da literatura norte-americana. O que você compreende que poucos compreendem, dado o seu know-how, inclusive por já ter estado no front?
Fábio Pereira Ribeiro:
Independente das especialidades, que muito me ajudaram e me levaram a lugares interessantes, sou um apaixonado por Paris. Mas não aquela Paris dos turistas. Tampouco a tradicional. Falo da Paris louca, diferente, musical, onde os mais singelos sentimentos tocam minha alma, minha vida. Gosto de ir a lugares onde posso dançar rockabilly ou swing anos 1940, e onde posso sentir a literatura que se torna verdade. Só encontrei isso na Paris dos “anos loucos”, dos anos 1920, da “geração perdida”, que foi cunhada pela americana Gertrude Stein. Eu já tinha contato com a literatura americana dos anos 1920 de Paris, principalmente Hemingway e Fitzgerald, mas depois que assisti o filme The Moderns e Meia Noite em Paris, tudo se encaixou. Eu já andava pelas ruas de Paris de maneira diferente. E a sensação que tenho é que as obras dessa época conversam comigo. Quando leio Hemingway, sinto que estou conversando com ele, e nós temos histórias em comum. Fomos tenentes, lutamos nos fronts, vivemos aventuras, amamos – principalmente Paris –, vivemos na África, e adoramos Dry Martinis. Ah, e lógico, fui dançar rockabilly, java e swing no La Java, onde Edith Piaf cantou, e também no Le Caveau de la Huchette.

Quais são as principais marcas que a Primeira Guerra Mundial deixou no pensamento de escritores como F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ezra Pound, Hemingway e Eliot?
Na verdade, a Primeira Grande Guerra Mundial marcou mais Ernest Hemingway. Ele trabalhou para a Cruz Vermelha Americana na Itália. Por sinal, o seu grande primeiro amor aconteceu na Itália, em Milão, com a enfermeira americana Agnes von Kurowsky Stanfield, que no futuro se transformaria no romance Adeus às Armas. As marcas da morte, da luta, do amor no nada, e principalmente na falta de perspectivas de futuro, marcaram toda geração que precisava fazer algo além. Mas devemos considerar alguns fatores. Primeiro, essa geração veio de um Estados Unidos onde tudo era proibido e Paris se apresentou como uma grande amante, onde tudo era possível, principalmente o câmbio e a bebida, sem contar que todos os grandes artistas haviam migrado para a Cidade Luz desde 1910. Paris era a cidade de Picasso, Modigliani, Dalí, Man Ray e também dos parisienses que transformaram a vida dos anos loucos, principalmente Kiki de Montparnasse. Imagina juntar os americanos e essa turma? E na confluência de tudo, tinha uma americana que bancava a arte e fomentava tudo, Gertrude Stein, uma verdadeira Buda do que era o moderno, a transformação do que seria o futuro da arte moderna. O número 27 da Rue de Fleurs era o ponto onde tudo acontecia. Até hoje, quando passo em frente, sinto que aquele lugar transformou a vida moderna, transformou a arte. Ali foi onde tudo aconteceu, as maiores loucuras e, principalmente, a consolidação do que realmente seria arte para nós.

 

Por que Ernest Hemingway?
O primeiro livro de Hemingway que li foi Paris é uma Festa”. Li quando estava em Paris, o li praticamente em um dia, no Closerie de Lilas. Quando terminei, chorei. Senti uma forte emoção. Dali pra frente, li tudo dele. Adorei seus livros de contos, amei O sol também se levanta, que se passa em Paris. Odiei Por quem os sinos dobram. Na verdade, a história de Hemingway com Paris é o que me atrai. Sua vida em Cuba e na Espanha pouco me atraem. Ele era chato demais. Mas o Hemingway dos anos 1920 em Paris, onde a fome dava pulso para a sua criatividade, e o Hemingway que libertou o Ritz e a Shakespeare and Company na Segunda Grande Guerra, esse sim é o Hemingway que amo, que me identifico. Aquele Hemingway onde a ação logo depois se tornava literatura. E cá entre nós, de todos, ele era o mais divertido. Ele andou de verdade pelos becos de Paris.

Você se vê na característica “multifacetada” de Hemingway? Ele foi considerado um homem de ação, sempre muito aventureiro, com interesses diversos. É um ponto em comum entre vocês?
Alguns alunos e ex-alunos falam que faço muitas coisas ao mesmo tempo. Sei lá, gosto da ação e de, depois, colocar no papel meus sentimentos. Acredito que esse é o ponto em comum. Todos nós temos nossos heróis e heroínas. Um dia estava em Madrid e fui numa tourada. Por sinal, com um livro de Hemingway debaixo do braço. Odiei tudo aquilo. Mas respeitei a tradição. Fiquei pensando comigo: “o que Hemingway viu naquilo?” Eu me encanto e me encontro com o Hemingway de Paris, aquele Hemingway da “frase verdadeira”. Quero o Hemingway de Paris, dos cafés, aquele Hemingway que sentava simplesmente para observar e escrever.

Para escrever Um Dry Martini para Hemingway você esteve em vários ambientes nos quais o escritor americano esteve. O que pretendia captar nessas visitas?
Na verdade, não consigo escrever em casa. Tampouco em um lugar silencioso. E como estava em Paris, 90% do livro foi escrito lá. E nada melhor do que escrever onde o personagem principal viveu e escreveu. Escrevi boa parte do livro no Closerie de Lilas em Montparnasse, com uma boa dose de Dry Martinis, músicas francesas ao piano e boas histórias de franceses que conhecem bem as histórias da Geração Perdida. Graças ao livro, fiz boas amizades e, com certeza, percorri todos os lugares onde Hemingway, Scott, Gertrude e Joyce estiveram. Esse livro, posso afirmar com 100% de certeza, escrevi onde eles escreveram. Isso me deu uma energia fenomenal para escrever de 10 a 20 páginas por dia sentado em um café.

Gostaria de viver uma experiência como a de Gil Pender, personagem de Woody Allen de Meia Noite em Paris?
Vivi isso, e vivo todos os dias quando estou em Paris.

É comum os escritores “conversarem” com mortos, ídolos dos clássicos, filósofos fundadores do Pensamento. Você troca ideias com todos eles ou outros?
Dias atrás, um amigo que trabalha com leilão de artes comentou comigo sobre o livro: “falar com os mortos é a coisa mais difícil do mundo, você precisa conhecê-los profundamente, mas é divertido”. Para escrever dessa forma, particularmente me envolvi com a vida de Hemingway, principalmente sua história em Paris, tanto nos anos 1920 como também nos anos 1940 e 1950. De alguma forma, troquei algumas ideias com outros personagens. Mas além de Hemingway, o personagem que mais me fascinou, e ainda me fascina, é Kiki de Montparnasse. Tanto que já estou escrevendo um novo romance baseado em sua história. Ela, literalmente, representa aquele momento louco da Paris dos anos 1920.

Há uma sede praticamente insaciável em quem gosta de escrever? Como se o tempo todo o escritor estivesse em busca de algo…
Tenho sede de leitura. Amo livros, amo boas histórias, amo o passado. O futuro ainda não é real, o presente pode ser chato, por isso o passado é certo. Também amo construir minhas verdades, e não as verdades mundanas. Escrever para mim se tornou um exercício de limpar a alma, por mais que eu ainda possa ser um iniciante na arte da escrita. Mas é assim mesmo. Todos foram iniciantes um dia. Faço muitos exercícios, diariamente, por mais que eu ainda não tenha uma rotina efetiva como escritor. Mas com certeza, graças à escrita, eu economizei – e muito! – com analistas e remédios, além de me proporcionar um prazer… Ou melhor, verdadeiro tesão.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.