Shannon Thomas: “Narcisistas se divertem com a destruição que causam”

Um pouquinho todos os dias. Violência silenciosa, cotidiana, que se confunde com rusgas comuns de uma convivência corriqueira, seja entre casais, familiares, amigos ou pares de trabalho. Diz sobre o poder que um tenta exercer sobre o outro, mas também sobre intenção, empatia, autoconhecimento e autorresponsabilidade. Como falar, seriamente, a respeito de relacionamentos abusivos? Como diferenciar brigas comuns de tratamentos insidiosos? Shannon Thomas escreveu o best-seller Healing from Hidden Abuse: A Journey Through the Stages of Recovery from Psychological Abuse e conversou com a FAUSTO sobre o tema delicado, sobretudo acerca do devastador “tratamento de silêncio”.

Shannon Thomas, autora de “Healing from Hidden Abuse: A Journey Through the Stages of Recovery from Psychological Abuse”.

FAUSTO – Quais são as consequências mais drásticas de um tratamento de silêncio numa vítima de narcisista?
Shannon Thomas: O tratamento de silêncio envia a mensagem cristalina de que você é insignificante e descartável. O agressor, ao impor o tratamento de silêncio, deseja que você perca seu senso de identidade enquanto ele busca, freneticamente, por afirmação. O tratamento de silêncio atinge o âmago de sua alma e de sua personalidade.

Essas consequências são irreversíveis?
Absolutamente. Uma vez que você encontra um caminho para a cura, reconhecendo-se como indivíduo, você entra num processo de desconstrução das mentiras que a enredaram e assim restaura seu verdadeiro eu. É dessa forma que uma vítima sai da montanha-russa emocional construída pelo agressor. O tratamento de silêncio começa a parecer um jogo cruel do qual o sobrevivente não está mais disposto a fazer parte. Os abusadores geralmente não sabem o que fazer quando o sobrevivente não é mais afetado pelos jogos que estão acostumados a lançar. É nesse ponto que o agressor perde seu poder de controle sobre a vítima.

Esse silêncio pode ser usado como um contra-ataque?
Sempre digo que podemos diferenciar nossas ações e as de um agressor observando a intenção dos comportamentos. A intenção corta todo o barulho e o caos. Se a intenção do silêncio é criar um espaço saudável a partir da toxicidade, isso é excelente. Sendo assim, os sobreviventes podem usar o silêncio em benefício próprio, desvinculando-se da dança tóxica com o agressor.

As vítimas de narcisistas necessariamente tiveram pais narcisistas?
Não necessariamente. Muitas vítimas vêm de lares excepcionalmente gentis e amorosos. Quando alguém é criado num ambiente saudável, é difícil compreender que nem todos os outros operam da mesma maneira em seus relacionamentos. É difícil perceber que algumas pessoas podem não ser confiáveis. Confiança não é dada, mas conquistada. Ser criado por pais amorosos pode, na verdade, ser um motivo para que um abusador se sinta atraído, porque o abusador sabe que a vítima naturalmente enxerga o lado bom das pessoas e ela se esforçará para manter o relacionamento funcionando. É uma triste descoberta para vítimas que tiveram pais amorosos descobrirem que o mal existe na forma de alguém que conhecem.

Como combater o ímpeto de negar o abuso? Vemos, mas negamos, justificamos, interpretamos de uma forma que favorece nossa narrativa…
É um erro querer racionalizar comportamentos desagradáveis. Tentamos buscar o melhor das pessoas e acreditamos que elas estão fazendo o melhor que podem, mas isso simplesmente não é verdade no caso de abusadores psicológicos. Narcisistas se divertem com a destruição que causam porque, temporariamente, os tiram dos vastos espaços de vazio que carregam dentro de si. Sem apego autêntico ou empatia, os abusadores anseiam pelo caos apenas para sentir algo por um momento. As vítimas racionalizam comportamentos terríveis porque, em sua tentativa de entender o que está acontecendo diante delas, projetam atributos positivos no abusador, mas que ele não possui. As vítimas começam a sentir pena do abusador de alguma forma e, ao fazer isso, criam uma nova narrativa do abuso, uma que atenua a intencionalidade tóxica do abusador.

Quando a empatia se torna uma abertura para o narcisista?
A empatia é a porta pela qual o narcisista entra na vida da vítima. A empatia leva à pena, pela história de vida do agressor — real ou falsamente construída — e a pena mantém a vítima presa no ciclo tóxico.

Existe uma linha entre ser empático e ser permissivo?
Há definitivamente uma diferença entre empatia para com os outros e permissividade com maus comportamentos. A empatia vem numa variedade de formas e é uma qualidade de caráter inerente que queremos ver enriquecida em nós. A permissividade, ou codependência, são traços desadaptativos com os quais as vítimas começam a lutar à medida que ficam expostas a pessoas abusivas.

Como desenvolver a consciência de uma identidade para que as chances de um relacionamento com um narcisista sejam menores?
Uma vez que aprendemos a estar conscientes e a abraçar nossos pontos fortes e nossas áreas de crescimento, ninguém pode aparecer para nos manipular em qualquer uma dessas áreas. É por precisar de validação pessoal que muitos narcisistas são capazes de obter a identidade de uma vítima. Uma vez que a porta é fechada, e a validação vem de dentro, os narcisistas não têm chance contra um indivíduo confiante.

Qual é a diferença entre erros comuns de relacionamento — afinal, ninguém é perfeito — e evidências sutis de maldade narcisista?
A intenção sempre filtrará os comportamentos. A intenção pode almejar obter controle abusivo sobre outra pessoa ou construir um relacionamento autêntico e saudável. Percebemos a diferença na forma como o conflito é tratado. Um indivíduo saudável desejará crescer, de forma que trabalhará para tornar o relacionamento mais forte; já um indivíduo doente tentará mudar a outra pessoa, e nunca a si mesmo.

A terapia é a única maneira de se libertar de relacionamentos abusivos?
A terapia é extremamente útil porque cria um espaço personalizado para o conjunto específico de circunstâncias e desafios da vítima.
***

Acompanhe a FAUSTO no Instragram.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.