Todas as Coisas Maravilhosas: o suicídio devolve a ilusão da liberdade

Todas as Coisas Maravilhosas, espetáculo estrelado por Kiko Mascarenhas, é, em síntese, o grande esforço de enumerar o que dá sentido à vida.

E é sobre o grande esforço para mantê-las em mente quando a vida se apresenta tal qual: um encurralamento.

Todas as Coisas Maravilhosas desvela a complexidade da existência.

De forma interativa, Kiko Mascarenhas narra a jornada de um garoto que, aos sete anos, descobre o sofrimento de sua mãe com depressão e começa a listar coisas que considera legais, divertidas e passíveis de causar — nela — uma alegria suficiente.

Coisas maravilhosas acontecem todos os dias e, quase sempre são, em síntese, as mais simples.

Como escreveu minha mãe romântica, a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, em seu Mundo Fechado, “é nas coisas simples e sem originalidade que reside o segredo do sentimento humano.”

Sem originalidade.

Se todas as pessoas que já assistiram à peça fizessem suas listas e as comparassem, muito mais da metade dos itens seriam os mesmos.

Em essência, somos tão previsíveis. Queremos amar e ser amados.

Qualquer coisa que aconteça nesse clima de proteção se torna uma coisa maravilhosa, porque enquanto somos amados, nada ameaça nossa personalidade — assim como tudo que o intimida soa vazio.

Ninguém foi educado para não ser amado, ainda que essa tenha sido a educação recebida.

Coloquei a frase em negrito e pode ler outra vez, porque ela é tão profunda quanto pungente.

O personagem tentou ser amado por meio de suas listas.

Ele as levou para a sua juventude e vida adulta. Por meio delas, construiu sua trajetória — tornando-se elas mesmas seu calcanhar de Aquiles.

Ele desejava que o amor de sua mãe por ele fosse o bastante para que ela pudesse suportar viver.

Destrinchou Albert Camus essa questão delicada do suicídio, essa que, para ele, é a única questão filosófica verdadeiramente séria, então se tornou imortal.

O Mito de Sísifo deveria ser leitura obrigatória, assim como conversar sobre suicídio, direito de morrer ou morte assistida.

Estamos todos doentes, à beira de um colapso, tateando no escuro uma saída para a solidão imanente que se acentua pela velocidade das mídias e pela mentira irreversível de que precisamos ser notáveis.

Verdadeiro luxo é ser dois e poder viver isolado das multidões.

Poder conversar sobre o desejo de morrer é encontrar, quase no mesmo instante, razões para viver.

Não digo isso eu, mas Camus. Mas também digo.

Estabelecer um diálogo a respeito do suicídio é tecer uma perspectiva de consciência, e, quem sabe, de esperança.

A pessoa inconsciente de suas sombras é náufraga.

A pessoa inconsciente de suas sombras envenena-se de desconfianças.

Para ela, todas as coisas maravilhosas são bestificantes.

Hoje, em ambientes de extrema superficialidade, em relações de laços mais frouxos que cachos de bebê, são raros os que escutam — e que devolvem sem eufemismos.

Aliás, se tem algo que alguém que deseja morrer não consegue suportar é eufemismo.

Listo 10 coisas maravilhosas para mim:

1- O bom-dia do meu melhor amigo

2- Dançar

3- Ser a mulher mais perfumada do mundo

4- Ter a casa cheias de plantas

5- Cozinhar

6- Assistir novelas

7- Visitar lugares históricos

8- Passear com meu cãozinho e vê-lo saltitar

9- Andar de mãos dadas com meu marido

10- Presenciar o pôr do sol

Há quem tenha cem.

Há quem tenha um.

Há quem não tenha nenhum.

Antes de assistir à peça, dirigida por Fernando Philbert, eu já sabia da sorte de ter companhia na hora da angústia suprema.

É sabido que o suicida não deseja necessariamente morrer, mas, como coloca Camus, extirpar o absurdo da existência.

Então, eu, escritora das sombras, teço versos que flertam com o esquecimento eterno, para falar desse espetáculo que me fez chorar, porque flerto também com a única questão filosófica verdadeiramente séria, e filosofo em prosa poética.

Sou uma mulher de silêncios no coração.

Todas as Coisas Maravilhosas faz chorar porque não confessamos.

Não confessamos amores. Não confessamos desamores. Não confessamos invejas, ressentimentos, sonhos impossíveis — porque há sonhos impossíveis.

Possivelmente, eu nunca mais volte a dançar.

Segundo item de minha lista.

Eu amo dançar!

Adoraria poder voltar a dançar!

Pensei, enquanto escrevia este texto, que eu poderia correr atrás de um avanço na medicina, eu me sentiria muito mais mulher dançando livremente. E essa coisa maravilhosa está ligada a outra, que mencionei, ser a mulher mais perfumada do mundo.

Porque quando eu dançava, no passado, havia quem dissesse essa alegria.

Uma coisa maravilhosa liga-se a outra magicamente.

É conversa de adulto, mas o suicídio devolve a ilusão da liberdade.

Se em sua lista tiver apenas uma pessoa, uma única pessoa, com quem possa falar a respeito, há esperança de viver 1 milhão de coisas maravilhosas — e pelo menos 10 todos os dias.

Se em sua lista não tiver uma pessoa, nem uma única pessoa, recuse-se a fazer parte dessa massa anônima e procure-a.

Como?

É um bom jeito fazer uma lista de coisas maravilhosas. Trazer para a consciência. Haverá outra lista, em algum lugar, com o mesmo item e a conexão será feita.

Enquanto estamos vivos, nos movemos pela curiosidade. É pela curiosidade que o destino se faz.

Daí o próximo passo será: assista Todas as Coisas Maravilhosas.
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Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.