Próximo de uma pilastra de pedra centenária, um sofisticado sofá marrom em couro capitonê oferece uma verdadeira experiência de estar. Refiro-me ao Café Esquina da Realeza, estabelecimento localizado num casarão colonial na Praça Tiradentes.
Pulsante, como o coração do Centro Histórico de Ouro Preto, sento-me altiva, respirando fundo como quando chego em casa.
Em instantes, uma atmosfera de aconchego não me entrega um simples cardápio, mas o futuro.
Curioso, não? Especialmente numa cidade em que o tempo para.
Disso se trata a experiência de estar: poder se esvair dos pesos da vida e ser quem se é.
O ambiente criado pelo ouro-pretano Bruno Costa nos convida pelo aroma do café de grãos recém-torrados, iguaria que desperta para o dia de passeios nesse recanto de igrejas, vielas e casarões ocupados por lendas e fantasmas.
À tarde, não é difícil se render à carta da cerveja anfitriã da cidade: a Ouropretana.
E tem os sorvetes magníficos, que dão até tonteira de tantos sabores deliciosos para se apreciar.
Requinte é a palavra certa para descrever o Café Esquina da Realeza: cafeteria, choperia, gelateria, uma casa que se oferece para ser nossa; provisória como a chuva, mas nem por isso esquecível.
Exala história em cada um de seus cantos, até no manto de veludo vermelho pendurado, que pode ser usado para fotografias de recordação.
A propósito, quem adora viajar e levar um pedacinho de cada lugar para quem se ama, há licor de doce de leite para presentear, cafés especiais moídos na hora, além das diversas compotas.
O Café Esquina da Realeza poderia, sim, ser mais um dos locais da cidade que se visita, mas logo se esquece — como muitos. O diferencial, no entanto, é o ambiente altamente acolhedor.
O “altamente” explico sem divagações.
Os funcionários são bem treinados, não empurram cardápios para o consumo apressado.
Tampouco paira em nós, visitantes, aquele olhar vigilante de gerentes e proprietários que se preocupam mais com mesas vazias — ou cheias, mas que precisam ser desocupadas logo —, e assim negam a experiência de estar.
Eu, escritora, sentei-me pela primeira vez no sofá marrom em couro capitonê em janeiro de 2023, e jorrou inspiração para escrever meu primeiro romance, NANA, já publicado e disponível para aqueles de coração partido. Em Ouro Preto também se chora por amor.
A experiência de encanto foi tamanha que não sem razão meu segundo romance se chamará Valha-me Deus e será inteirinho ambientado na cidade. Escrevi a primeira parte do livro no meu café real, em janeiro de 2024.
Nos espaços do Café Esquina da Realeza, com suas mesas e cadeiras de madeira maciça — além dos meus sofás —, sonhamos pequenos e grandes sonhos. E damos passos rumo a eles.
Também desfrutamos da presença de quem amamos, quem viaja conosco para apreciar as tantas construções estonteantes, sem falar nas trajetórias dos antepassados.
Em Ouro Preto se estreitam laços. O amor é jurado para sempre na Ponte dos Suspiros, que fica pertinho do meu café. Jurei também.
Uma das mais belas cidades mineiras, a antiga Vila Rica é convidativa pelas igrejas barrocas e pelos locais onde comemos, bebemos, trocamos afinidades e celebramos grandes datas.
Cada detalhe no Café Esquina da Realeza nos faz sentir importantes: as louças, os lustres, as luzes, os espelhos, os quadros, as bebidas quentes.
Experimente o Cappuccino da Realeza e o Chocolate Quente Europeu que leva especiarias e chocolate suíço.
Sou capaz de dizer que Ouro Preto é a cidade mais bela, a de meu coração; talvez, de minhas vidas passadas — e das futuras. No café, de troça com meu amor, digo que fui baronesa do café.
Como compreendo a cidade, assim escrevi numa fala de uma de minhas personagens, Mariana: “Ouro Preto é um romance que nunca acaba, embora não como aqueles que não se superam.”
O Café Esquina da Realeza convida os visitantes e moradores de Ouro Preto para um momento de refúgio, no qual o tempo desacelera. A história da cidade é contada pelo espírito.
Mais do que um lugar para apreciar café, cerveja ou whisky — como eu ia me esquecendo do whisky? —, a casa é um átrio da história viva da cidade.
“Na Praça Tiradentes, onde homens e divindades se cruzam, num dia pacato de sol ameno alguém atirou em meu coração…”. Mirabela, outra personagem de Valha-me Deus, sabe que nesse lugar quem vive nunca morre.
Tesouro histórico do Brasil, de personagens que nos constituem, apreciamos cada construção preservada com esmero pela comunidade. Há ritos, rezas, celebrações e cismas.
A aura do século XVIII, quando a cidade era o epicentro da corrida do ouro, nos invade quando nos aproximamos mais do que é só aparentemente imanente, mas que na verdade é transcendente.
Isso acontece quando percebemos detalhes: uma textura de parede, uma tinta descascada, uma maçaneta tão pesada quanto as almas que perambulam à noite na neblina.
Tudo isso que apreciamos elaboramos sentados no Café Esquina da Realeza ao sabor, por exemplo, dos Viscondes Macchiato, Latte e Mochaccino.
Diz o Evangelho de Mateus 11:15: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça!” Eu, que crio histórias como um pequeno deus, ouço de longe um padre a dizer lá do cartão-postal de força impressionante, a Igreja de São Francisco de Assis.
Se esse café é o meu predileto, essa é a minha igreja predileta.
Dei voz à Rubelita, outra personagem de Valha-me Deus, ela que é descrente, fria e maldosa, embora ciente da grandeza dessa obra-prima de Aleijadinho: “minha predileta porque é perturbadora, quase hostil.”
Certamente, sou um pouco das treze mulheres que estou criando nesse romance sobre a fé.
Em Rubelita, confessei minha falta de esperança: “Vou nos dias chuvosos, pois são poucos os que lá pensam dizer a verdade.”
E como ela também escolhi Ouro Preto, “cidade da fé desbotada, porque seus ares têm aroma de flor; cidade galante, sem que implore o olhar. Cidade que sabe que ficará para a eternidade, nós é que não valemos o pó que levantamos de suas terras.”
Minhas palavras adornam o horizonte de minha vida. As paisagens de Ouro Preto, os cansaços de cada um que busca a Beleza para prosseguir em suas jornadas mundo afora.
Desejo que experimentem a cidade em datas pacatas. Os milagres estão mais suscetíveis.
Desejo que conheçam o seu Abel, a dona Deolinda, e no café tenham a sorte do bom-dia do seu Francisco, pai de Bruno.
Passamos um café fresquinho para esmiuçar nossos sentimentos acerca do passado, do presente e do futuro, sozinhos ou acompanhados.
No meu Café Esquina da Realeza, no meu sofá marrom em couro capitonê, testemunho a riqueza e o esplendor da época colonial — e de uma época que será só minha, que vem vindo.
Eu, que sou mortal, passarei. Mas quem sabe voltarei e, com sorte, morarei pertinho do meu café predileto.
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