Camus e o Teólogo: peça discute o fenômeno insolucionável

O vazio humano é um fenômeno insolucionável. A falta de sentido, nossa característica constitutiva mais democrática.

Desafio que encaramos desde o momento em que nascemos, esse vazio só se acentua na medida em que questionamos seus motivos ou buscamos o conhecimento para aplacá-lo.

O vazio ocupa a mesa do trabalho, faz companhia nas horas de lazer e até pode assombrar os laços afetivos, embora esse último ainda seja uma profunda fonte de sentido.

Albert Camus é responsável pela filosofia do absurdo, que joga luz na angustiante falta de sentido que experimentamos quase todos, quase o tempo todo.

O que é, em definição, esse tal absurdo?

Longe de mim arriscar uma definição, a não ser poética, o absurdo é a incapacidade de darmos respostas suficientes a esse vazio que nos assalta em recorrência.

Sobre todas essas questões trata a peça Camus e o Teólogo – Um Encontro Improvável, que apresenta ao público geral as visões de Camus acerca do sentido da vida versus as visões da religião.

A montagem, baseada no livro Albert Camus and the Minister, escrito por Howard Mumma, ministro da Igreja Americana de Paris, foi adaptada para o teatro por Cássio Junqueira e Cassio Scapin.

Assim como A Última Sessão de Freud, em que o pai da psicanálise debate com C.S. Lewis o crer ou não crer em Deus, a teodiceia e temas correlacionados, em Camus e o Teólogo – Um Encontro Improvável a premissa é quase a mesma.

Quase, porque nos palcos do Teatro Aliança Francesa vemos um Camus em busca desse sentido, lacrimoso, colocando à prova o que por toda a sua vida intelectual esmiuçou: a solidão inerente.

Acerca da teodiceia, aliás, o pastor Ed René Kivitz assina um texto para essa revista, que você pode ler AQUI.

O espetáculo com direção geral de Clarisse Abujamra conta com Alexandre Barros dando vida a Howard Mumma e Fernando Alves Pinto a Albert Camus. O texto recebe uma convidada especial, Simone Weil, evocada pelas lembranças de Camus. Ela foi interpretada por Amazyles de Almeida.

Uma montagem que serve de entrada para os questionamentos de Albert Camus, o texto aborda a origem do homem, o paradoxo entre a existência de Deus e os males do mundo — a exemplo do Holocausto —, a falta de sentido e, claro, o ímpeto pela busca de sentido.

Em outras palavras, longe de ser um espetáculo que evidencia uma ou outra postura diante do mundo, Camus e o Teólogo – Um Encontro Improvável aborda questões da existência.

O cenário minimalista é assinado por Daniela Galli, a iluminação é de Ivan Abujamra, e quem responde pela trilha sonora é André Abujamra.

Bom, mas como Albert Camus vai parar numa igreja?

Não em busca de Deus, o pensador argelino vai à igreja para ouvir o recital do renomado organista Marcel Dupré. A amizade com o teólogo começa aos poucos, mas dura até a morte precoce de Camus, num acidente de carro, aos 46 anos.

Só não sente a solidão existencial quem não pensa, não entra em contato com as próprias emoções, quem não se relaciona com a realidade.

Viver ou morrer é, portanto, uma questão fundamental e não deveria ser tabu em qualquer espaço de diálogo, sobretudo aos que pertencem às religiões.

Diríamos, então, que O Mito de Sísifo é leitura formadora, principalmente para os que desejam romper com esse dogma do “dom da vida inquestionável”.

Experiente no assunto, aposto que durante o questionamento pode até ocorrer uma surpresa: quando levamos em conta a possibilidade da morte, os sentidos se abrem magicamente para a maravilhosa graça. É ter olhos para ver.

Camus e o Teólogo – Um Encontro Improvável é uma peça para quem está reunindo coragem para mergulhar nas questões profundas que Camus oxigena com maestria, não sem razão o autor está no panteão dos mais importantes pensadores do século XX.

Para nós, revista das sombras, pelo menos tomando o texto da peça como parâmetro, Camus dá mais conta, em substancialidade, do que a religião de Mumma representada ao pé da cruz cênica.

Temos falta do sentido, sim; mas, ali, como espectadora, fiquei a pensar que temos muito mais falta da graça. E, inevitavelmente, lembrei-me de Philip Yancey em seu Maravilhosa Graça.

“A graça tem cheiro de escândalo.”

Para mim, mais que o suicídio.

Todo sabemos, é pueril: solidão não diz respeito ao número de pessoas ao redor, mas sobre quantos são capazes de compreender e apreender nossos interesses e nossas aspirações e tomá-las, estabelecendo, assim, uma conexão genuína que leva ao deslumbramento do amanhã.

O desnorteamento é a impossibilidade desse deslumbre.

Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.