Você tem medo do quê? De engordar? Do câncer? De ser traído? De amar? De reportagens e entrevistas que desafiam sua forma de pensar? A lista é infinita. De acordo com Jorge Forbes, de um vício, transformamos o medo em virtude. Psicanalista, doutor em Teoria Psicanalítica e em Ciências, é membro da Escola Brasileira de Psicanálise e Escola Europeia de Psicanálise. Exclusivo para a FAUSTO, o idealizador do programa TERRADOIS da TV Cultura, também vencedor de um Prêmio Jabuti, é o segundo convidado da Série Tempos Líquidos. Agora, e você? Acha que chegaremos longe tendo medo de tudo?
FAUSTO – Você tem um programa na TV Cultura que se chama TERRADOIS. O que significa TERRADOIS?
Jorge Forbes: TERRADOIS significa pós-modernidade. O programa aborda questões da pós-modernidade, porque estamos com dificuldade de viver nesse novo “planeta”, que é totalmente diferente, no seu modo de viver, do “planeta” anterior, o TERRAUM.
Quais são as principais diferenças?
Vivíamos numa sociedade vertical, agora vivemos numa sociedade horizontal. Antes, era uma sociedade disciplinar, agora a sociedade é de responsabilidade. Estávamos ligados a padrões universais, hoje temos múltiplas possibilidades. A sociedade, antes, era orientada pelo pai, hoje é multi orientada. Ou seja, o homem está em um novo momento: por um lado muito criativo, por outro muito angustiado.
Por que muito criativo?
Como todas as soluções que tínhamos foram postas em questão, as novas respostas terão de ser criativas.
E por que muito angustiado?
Porque não temos mais nenhuma garantia.
Dê um exemplo
Quando temos dez possibilidades pela frente e escolhemos apenas uma, a única certeza que temos é que perdemos nove.
Você tem medo de quê? foi um dos temas abordados no TERRADOIS. Qual viés explorou?
O medo deixou de ser vício para se tornar virtude. Quando eu era pequeno, meu pai dizia: “Meu filho, quando você crescer, você não vai mais ter medo.” Ou seja, o medo era vício da infância. Hoje, as pessoas nos dizem que temos de ter medo de tudo: medo de sair na rua, medo da camada de ozônio – que, aliás, você não tem a menor ideia do que seja, mas morre de medo dela –, medo de andar com o vidro do carro aberto; medo do Sol, porque ele vai causar câncer; medo de usar açúcar e medo de não usar açúcar também. Medo do sexo, perigosíssimo! E por aí vai. A sociedade colocou o medo como seu grande orientador. Ou seja, e insisto, de vício se tornou virtude, nos agarramos na bainha da saia do medo, o que é muito ruim.
Por quê?
O medo é posição reacionária. Ele convida a voltar para a posição anterior. É re-ação, ação para trás. Uma pessoa com medo não cria. Para criar é preciso ousadia, entusiasmo. E o entusiasmo é um sentimento de confiança baseado no talvez, nos deuses do Olimpo. Não é no deus católico que está olhando por você, mas nos deuses que estão se lixando para você.
Qual é o problema, afinal?
Estamos vivendo numa sociedade de medo por covardia de nos responsabilizar eticamente. Essa nova fase da história da humanidade é magnífica porque temos a chance única de reinventar a maneira do homem viver. Além do mais, o avanço tecnológico faz com que não tenhamos mais limite exterior. Dizíamos: “Ah, se eu pudesse fazer tal coisa”. Hoje podemos! Resta saber se queremos mesmo.
No medo líquido, a contingência tem mais espaço?
Quando o medo está em aberto, como na pós-modernidade ou TERRADOIS, você fica muito prevenido. O ser humano teme mais as fantasias que cria do que algo objetivo. De um leão sei me defender, da minha sensação de perseguição, de fracasso, de vergonha, não. Há, inclusive, pessoas que preferem criar um agressor exterior para se desangustiar de seus medos subjetivos. Numa sociedade sem parâmetros, as pessoas ficam muito aflitas. E o que é a contingência? A qualquer momento pode acontecer uma coisa ruim porque não temos mais a sensação de que estamos dominando o entorno. Não é que antes dominávamos, mas como o entorno era padronizado, pensávamos que sim. Por isso eu disse sociedade disciplinar. A sociedade dizia como o pai tinha que ser, a mãe, a filha, o filho. Havia apenas a chance de ser adequado ou rebelde. Hoje não é mais questão de ser adequado ou rebelde, é de explicar quem você é. O que cabe só a você. E isso é muito difícil.
É difícil perceber esse medo porque vivemos com aparatos tecnológicos demais e eles aparentemente significam segurança?
Os aparatos tecnológicos podem significar segurança no primeiro momento, mas no segundo já provocam uma insegurança desgraçada. Agora, você pode não só viver mais tempo, por causa deles, como dizer para alguém “estou morrendo de saudade de você” e ir encontrar essa pessoa. Estávamos acostumados a colocar o limite exterior a nós mesmos.
O celular me permite falar com mais rapidez com quem está distante de mim, mas ele também pode vir a ser uma desculpa para eu não enfrentar, por exemplo, o próprio amor. Em vez de eu marcar um encontro e ir ficar com a pessoa, fico apenas teclando com ela…
Não sei se é uma desculpa… O celular possibilita o gozo preliminar. Para as pessoas que gozam nas preliminares é um prato cheio. Espera-se que a pessoa vá um pouco além disso. Mas tudo aquilo que é um facilitador pode vir a ser um problema. Tudo. Não existe nada só legal ou só ruim. Agora, a ideia de que as pessoas se encontram menos por causa do virtual, non è vero.
Não é verdade?
Não é verdade. Essa ideia foi explorada no filme Ela. Só que essa ideia de poder se relacionar com a máquina porque a máquina é perfeita, e a mulher e o homem não são, é uma ideia falsa. O desejo funciona na imperfeição e não na perfeição. Na perfeição o desejo acaba.
O medo de uma catástrofe individual é maior do que de uma catástrofe coletiva?
A catástrofe coletiva é mais confortável, evidentemente. No coletivo, soma-se. É como quando uma criança diz para o pai: “Pai, bombei em física. Olha, mas a classe inteira bombou.” Existe o conforto da coletividade. Todo sofrimento é solidário e todo sucesso é solitário.
Frase da minha vida essa última!
[Dá risadas] É minha…
A fragilidade dos vínculos afetivos é uma faca de dois gumes? Por exemplo, hoje podemos casar e separar com muita facilidade.
A pergunta seria se há transcendência na pós-modernidade. Para os gregos, um dia foi a natureza; depois, os deuses. No iluminismo foi a razão. Eu acho que sim, Luc Ferry acha que sim, Lipovetsky acha que sim. Todos nós achamos que é um novo tipo de amor, que não é o amor do contrato “em nome de”. Ou seja, não estou com você por causa do padre, do pai, da mãe, do filho, da herança, da educação. Estou com você porque quero estar, do contrário eu não estaria.
E isso gera medo?
Isso gera responsabilidade. Toda vez que há consequências subjetivas, algumas pessoas se assustam. A maioria, eu diria.