Oded Galor: “Não partilho das preocupações de que a IA possa levar o mundo à pobreza extrema”

Oded Galor é uma das grandes referências do pensamento contemporâneo. Renomado economista israelense e autor do best-seller A Jornada da Humanidade: As Origens da Riqueza e da Desigualdade, Galor se dedica a refletir e escrever sobre o crescimento populacional e econômico, além de outras disparidades que marcam o mundo atual, como a desigualdade social. Professor da Brown University, na qual ocupa a cátedra de Economia Herbert H. Goldberger, conversou gentilmente com a FAUSTO sobre o futuro — um campo repleto de contingências e especulações, em que se alternam visões otimistas e pessimistas, todas marcadas por um ponto em comum: a incerteza, tanto epistêmica quanto ontológica. Quem viver, verá.

oded galor
Oded Galor, autor do best-seller “A jornada da humanidade: As origens da riqueza e da desigualdade”.

FAUSTO — O avanço da Inteligência Artificial pode levar o mundo à pobreza extrema?
Oded Galor: Embora eu compreenda a ansiedade em relação aos possíveis efeitos adversos da Inteligência Artificial, não compartilho da preocupação de que ela possa conduzir o mundo à pobreza extrema. As tecnologias baseadas em IA têm o potencial de transformar significativamente a qualidade de vida humana. Elas podem automatizar tarefas rotineiras, aprimorar a tomada de decisões e estimular inovações, promovendo maior eficiência, produtividade e crescimento econômico. Além disso, contribuem para o bem-estar imaterial ao personalizar tratamentos médicos, enriquecer a experiência educacional e melhorar o aproveitamento do tempo livre.

Mas esse é apenas o lado positivo…
É verdade que as tecnologias de IA podem acentuar a desigualdade de renda, beneficiando aqueles com competências complementares e deslocando outros. No entanto, políticas prudentes — voltadas à formação de competências adaptáveis, à requalificação de trabalhadores afetados, à abordagem de questões éticas e à redistribuição dos vastos ganhos materiais gerados pela IA — permitiriam que seus benefícios fossem amplamente compartilhados, elevando a qualidade de vida em escala global.

Quais características — valores e habilidades — uma pessoa deve cultivar para escapar da competição com a Inteligência Artificial?
Prosperar em meio à crescente competição com a IA é, de fato, um grande desafio. Isso exigiria duas transformações fundamentais no sistema educacional: a primeira, voltada ao desenvolvimento de competências adaptáveis e dinâmicas, que capacitem os indivíduos a navegar em um ambiente tecnológico em constante evolução; a segunda, dedicada ao cultivo de habilidades e valores que potencializem a vantagem distintiva da inteligência humana sobre a artificial.

Por exemplo?
Criatividade, pensamento crítico, inteligência emocional e uma sólida perspectiva ética.

Pensando em um futuro próximo, o que é mais preocupante: as baixas taxas de fertilidade ou a degradação ambiental?
A degradação ambiental parece ser o maior desafio enfrentado pela humanidade. A negação, a complacência e a inação nos trouxeram à beira de uma catástrofe. No entanto, confio que o histórico notável da engenhosidade humana permitirá que evitemos os efeitos mais devastadores, desde que sejam adotadas medidas rigorosas: ampliar o uso de tecnologias ambientalmente sustentáveis, impor limites severos às emissões de carbono e incentivar uma redução ainda maior das taxas de fertilidade.

Isso, e quanto às taxas de fertilidade?
Encaro as baixas taxas de fertilidade como um fator-chave para tornar compatíveis a prosperidade humana e a preservação ambiental. O acentuado declínio da fertilidade ao longo dos últimos 150 anos foi fundamental para a melhoria sem precedentes dos padrões de vida, ao reduzir os impactos negativos do crescimento populacional e ao impulsionar grandes investimentos em educação, na inserção das mulheres no mercado de trabalho e no progresso tecnológico. A preocupação de que uma taxa de fertilidade abaixo do nível de reposição, somada ao envelhecimento populacional, comprometeria seriamente o crescimento econômico é, em grande parte, infundada. Um ajuste adequado na idade de aposentadoria permitiria conciliar os efeitos positivos do declínio da fertilidade — como avanços na educação e maior participação feminina na força de trabalho — com o crescimento econômico e a sustentabilidade ambiental.

Está otimista em relação ao futuro? O capital humano é realmente capaz de usar a inovação para preservar nossa espécie — em vez de apenas acumular riqueza?
A jornada da humanidade ao longo dos últimos 300 mil anos oferece uma perspectiva esperançosa sobre nossa capacidade de florescer e superar ameaças existenciais. Há 12 mil anos, quando a população humana ultrapassou a capacidade de sustentação dos caçadores-coletores, a ameaça de colapso impulsionou a engenhosidade humana e levou à domesticação de plantas e animais — a Revolução Agrícola —, resultando em um notável aumento da produtividade e na prevenção do colapso social. No século XX, temores de fome em massa e da incapacidade do planeta de sustentar uma população crescente deram origem à Revolução Verde, que possibilitou a autossuficiência alimentar em muitas das sociedades mais populosas do mundo. Mais recentemente, os efeitos devastadores da covid-19 foram rapidamente mitigados pelo desenvolvimento acelerado de vacinas baseadas em tecnologia de mRNA.
Esse histórico notável de engenhosidade sugere que podemos manter a confiança de que nosso extraordinário poder de inovação continuará a desempenhar um papel fundamental na preservação da espécie humana — desde que esse potencial seja direcionado com responsabilidade.

Personalidades como Elon Musk e Jeff Bezos, entre outros, têm necessariamente outros papéis a desempenhar — ou poderiam desempenhá-los voluntariamente?
As competências e valores que permitiram a Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e outros a acumular uma quantidade incrível de riqueza e influência não são necessariamente aplicáveis à resolução de alguns dos desafios mais prementes que a humanidade tem enfrentado. Numa vasta gama de aspectos não tecnológicos da vida humana, preferiria aderir aos princípios democráticos básicos que nos permitem escolher os nossos representantes com base nos seus valores e méritos, em vez da acumulação de riqueza. No entanto, no contexto do desenvolvimento de tecnologias importantes que poderiam mitigar a degradação ambiental e promover nossa exploração do universo, aproveitar sua criatividade e experiência poderia ser inestimável.

Enxerga o Brasil como uma grande potência do agronegócio?
Uma vasta quantidade de terras férteis, zonas climáticas favoráveis e abundância de abastecimento de água permitiram que o Brasil se dedicasse ao cultivo de uma ampla variedade de culturas e pecuária. Essa vantagem comparativa foi ainda aumentada pela infraestrutura de transporte adequada e pela adoção de técnicas agrícolas modernas. O Brasil está na vanguarda do abastecimento global de alimentos.

Qual é a distopia mais inimaginável que você vê no futuro próximo?
Meu maior receio é que os regimes totalitários explorem os avanços na vigilância e na neurotecnologia para controlar o pensamento e tentativas implacáveis de aniquilar as sociedades democráticas.

Quando pensamos na igualdade de gênero como “chave” para o crescimento, essa igualdade passa pela linguagem, por exemplo, na adoção de pronomes neutros, ou nosso foco deveria estar em outro ponto?
A igualdade de gênero promoverá a emancipação das mulheres, melhorará a distribuição de talentos entre profissões, aumentará a participação da força de trabalho e induzirá o declínio da fertilidade, melhorando a prosperidade econômica e a justiça social, reduzindo ao mesmo tempo a degradação ambiental. A linguagem e o uso de pronomes neutros podem moldar as nossas percepções, predisposições e comportamentos e são, portanto, imperativos para promover a igualdade de gênero, destruindo normas e estereótipos tradicionais de gênero. No entanto, o desmantelamento da igualdade de gênero exigiria uma abordagem mais ampla, o que permitiria a erradicação da discriminação e das desigualdades profundamente enraizadas no domínio da educação, do emprego e das posições de liderança.

A tolerância é o maior paradoxo de nosso tempo? Porque requer um nível de sutileza muito, muito sofisticado?
Na verdade, paradoxalmente, o valor da tolerância pode permitir o surgimento da intolerância, minando o valor que aspira defender. Uma sociedade tolerante pode, portanto, necessitar manter um equilíbrio delicado entre a promoção da tolerância e a diminuição de seu impacto inevitável na propagação da intolerância. Seria necessário cultivar a tolerância relativamente a diversos pontos de vista, reconhecendo, simultaneamente, os limites da adesão a este princípio, principalmente quando confrontados com ideologias que operam deliberadamente para minar esses valores.
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Eliana de Castro Escrito por:

Fundadora da FAUSTO, é escritora, mestre em Ciência da Religião e autora do romance NANA.