Paulo Baron enxerga o sagrado no rock e experimentou primeiro em si mesmo, através dos riffs, a transcendência que Mircea Eliade conceituou “hierofania”. Sensível à beleza e espiritualizado em diversas práticas, o renomado empresário da música, mexicano nascido em Guadalajara, é fundador e CEO da Top Link Music, uma das principais produtoras de shows e eventos musicais no Brasil. Ao longo de sua carreira, trouxe ao País bandas como Iron Maiden, Black Sabbath e Scorpions — e atualmente é empresário do el desdichado, Lobão. Em entrevista para a FAUSTO, Baron discute o artista como mito, a realidade pós-pandemia, o papel das redes sociais na desmistificação do ídolo e a importância da espiritualidade na existência de todos nós, que tememos ser esquecidos. Abaixe o som!
Colaboração: Túlio França.
Os mitos em torno do ídolo fazem o ídolo?
Paulo Baron: Sim, um artista se torna mais um ídolo à medida que mitos se formam ao seu redor. O mito envolve diversos aspectos, como carisma; além de um certo mistério e uma força que transcende o comum. Quando encontramos alguém que parece superar os limites de um ser humano típico, essa pessoa começa a se transformar em um mito. As pessoas buscam indivíduos que se destacam, quem possam admirar e se inspirar. No entanto, nem todo mito é necessariamente uma pessoa de bem, embora muitos sejam lembrados para sempre.
Mitos fazem sentido numa realidade pós-pandêmica?
Hoje, é mais difícil alcançar o status de mito, principalmente devido à necessidade de exposição nas redes sociais. O artista perde o mistério, perde a aura de especulação acerca de seus pensamentos e sentimentos. Meus super-heróis eram Batman, Robin, Super-Homem e Mulher Maravilha. Ao descobrir a música, passaram a ser Gene Simmons, Paul Stanley e Ozzy Osbourne, e eu queria conhecer mais sobre eles. Essa dinâmica se assemelha a de um relacionamento romântico. Tem de haver o romantismo da conquista, o jogo que torna tudo mais excitante, até que se concretiza. Observo que os artistas atuais, ao se exporem excessivamente, acabam minando a chance de se tornar mito.
Que tipo de artista escapa do espírito do seu tempo, ou nenhum escapa?
As redes sociais são ferramentas eficazes para fazer marketing, mas quando começam a ditar comportamentos, o artista se perde. Isso não afeta apenas o artista, mas o indivíduo comum. Vemos a quantidade de adolescentes cometendo suicídio e crianças com depressão, muitas vezes porque querem mostrar apenas o lado positivo e impactante de suas vidas. No entanto, quando o artista trata seu trabalho como um produto de marketing, sem se deixar influenciar pelo que as pessoas dizem, acredito que ele pode escapar dessas amarras.
É mais fácil ou difícil ser artista hoje?
Paulo Baron: Se olharmos para o passado, vários artistas sucumbiram à fama, como Janis Joplin, Kurt Cobain e Amy Winehouse. A pressão da fama sempre existiu, independentemente das redes sociais. Por exemplo, quando um artista vai a um restaurante e não consegue comer sem ser reconhecido, ele se sente encurralado. Esse aspecto da fama não mudou; sempre foi esse o preço a pagar. O que talvez aconteça hoje é que muitos artistas sejam emocionalmente mais vulneráveis e não saibam como lidar com comentários negativos. Nem todos que comentam nas redes sociais estão buscando construir o ídolo; muitos desejam ser como ele e, por não conseguirem, acabam se frustrando. John Lennon foi assassinado por um fã.
Como diz Oscar Wilde, destruímos aquilo que mais amamos…
Sim, e naquela época não havia redes sociais. O ser humano tem o hábito constante de se comparar, e ao somar suas frustrações e traumas não superados, a busca por um ídolo faz com que alguns fãs sintam que são donos do artista. Acredito que nosso lado sombrio se revela quando estamos diante de um artista. A inveja, o ressentimento e a incapacidade de se igualar a esse ídolo podem gerar uma amargura interior, transformando o fã quase em um adversário do seu próprio ídolo.
Hoje, será que o tempo se tornou o maior inimigo do artista? No sentido de uma produção acelerada e consumo imediato, muitas vezes sem uma verdadeira apreciação da obra.
Depende do artista e de suas origens. Vejo as redes sociais como uma ferramenta para criar marketing e alcançar mais pessoas. Logo, não se pode descartar o TikTok apenas porque a maioria dos usuários busca interações de um ou dois minutos. Nesses casos, acredito que deveria ser desenvolvido um marketing específico para esse público. Artistas como Lobão e Angra não precisam criar músicas pensando no TikTok. Isso é um problema do fã, não do artista. O fã deve aprender a ter paciência para ouvir uma música completa. Já saber fazer os cortes adequados na música para compartilhá-la nas redes sociais é uma habilidade, que não tem relação com a criação de músicas exclusivamente para o TikTok. Musicalmente, esse artista não se tornará um mito se estiver mais preocupado com o produto final do que com a essência de sua criação.
O pop é mais refém desse processo, me parece…
Madonna foi uma artista que se reinventou constantemente. Ela ditava as tendências, e não o contrário. Já o Lobão, lenda do rock nacional, é um artista com um conceito definido, uma razão de ser como é, e ele está sempre antenado com o que está acontecendo. O Lobão cria músicas que podem ter dez, cinco, quatro ou três minutos; a música vem em primeiro lugar. O artista que está apenas preocupado em se vender — e por isso muda constantemente seu estilo —, não terá longevidade. Um artista que não consegue ser genuíno não se destacará. Para se tornar um mito, o artista precisa fazer o que realmente quer, pois a obra deve ser feita primeiramente para si mesmo.
Como o artista se mantém presente no dia a dia e, ao mesmo tempo, preserva essa aura mítica?
Paulo Baron: Trabalho há 35 anos no show business e respiro música, então consigo perceber quando o artista tem confiança no que está criando. É crucial que ele trabalhe com profissionais que reconheçam que ele é o motor do negócio e que o ajudem a manter sua essência, evitando que se perca. A maioria dos artistas que conheço é muito sensível; se leem comentários negativos com frequência, ficam magoados e desanimados, e como podem compor dessa forma? Se as redes sociais forem administradas por alguém de confiança, o artista se sente mais seguro e tranquilo. O problema surge quando o artista se perde nas redes ou quando supostos amigos mostram comentários negativos, sem falar nos empresários que sugerem ideias apenas para agradá-lo ou para continuarem sendo favorecidos.
Como um artista sai de uma rede como essa?
A base para o artista sair dessa armadilha é entender que ele é um produto, e como um produto tem que tratar todas as áreas do negócio com profissionais de confiança.
É uma blindagem mesmo…
Precisa-se estabelecer uma blindagem. Quando um familiar assume o papel de empresário, pode ser confortável em certos aspectos, mas existe o risco de se tornar complacente e negligenciar pontos importantes. É crucial ter alguém com uma perspectiva diferente, alguém que possa dizer: “precisamos adotar uma estratégia diferente” ou “essa música não é tão boa quanto parece”.
Permita-me uma provocação, porque você está numa posição de muito poder… Como não sucumbir?
É fundamental ter clareza sobre quem você é. No meu caso, reflito sobre quem eu era quando jovem e o que eu buscava. Todas as noites, preciso rezar e continuar acreditando em algo maior do que eu. Para mim, é crucial ter essa crença para cultivar o respeito. Quando reconhecemos que há algo maior do que nós, tendemos a tratar os outros como iguais — afinal, todos somos mortais. Também acredito na importância de manter contato com a natureza e ter um refúgio, como uma família, por exemplo. Isso ajuda a evitar cair na armadilha da falsa glória. Existe uma diferença entre a glória alcançada por nossas conquistas e a falsa glória que as pessoas projetam sobre nós. É fácil ser presenteado e elogiado, mas muitas vezes o que as pessoas realmente querem é uma parte de você. Elas oferecem algo em troca de sua essência.
Esse é o conservadorismo, no sentido mais estrito do termo, não me refiro à política. Quando você tem consciência daquilo que conquistou e por isso preserva.
Com certeza. Acredito que todo artista deve ser livre em sua forma de ser, mas também conservador para não esquecer suas raízes, como começou, quais eram seus sonhos e como ascendeu. Refletir sobre sua própria trajetória ao alcançar certo patamar é muito saudável. Também acredito profundamente nisso.
Quais são os diferenciais do artista que tem bases espirituais?
São muitos. Quem possui uma base espiritual consegue ver o mundo sem se colocar como centro do universo. Quando cremos em algo maior, respeitamos os outros com mais naturalidade, porque também nos enxergamos de forma mais autêntica.
Acredita que o artista enquanto mito existe justamente para que possamos expressar nossas contradições, paradoxos e inquietações?
Paulo Baron: O artista é provocador, instiga a pensar. Você pode criticar Picasso, mas não pode mudar sua obra. Agora com a Inteligência Artificial, pessoas modificam obras de artistas e algumas criações até acho engraçadas ou interessantes, mas também me causa certa pena e tristeza, porque esses fãs parecem pensar que é fácil mudar a história.
Penso desta forma também…
Estive recentemente em Ouro Preto e fiquei refletindo: imagina alguém querer alterar a história dos Inconfidentes por meio da Inteligência Artificial, apenas porque acredita que houve muito derramamento de sangue e sofrimento. Houve um motivo para que esses eventos acontecessem e para que hoje os entendamos como parte da História. Acho interessante explorar possibilidades, mas quando se trata de um tema sério, como uma obra de arte, deve ser respeitado, mesmo que não seja do agrado de todos. Se você não gosta, tem o direito de criticar, não comprar, mas não tem o de transformar.
Por isso acredito ser importante cultivarmos a educação do nosso espírito em relação à beleza. Não se trata apenas de aspectos estéticos, mas de uma compreensão mais profunda que nos permite valorizar a importância da História, da ação do tempo e daquilo que nem mesmo o tempo pode alterar; logo, deve ser respeitado.
Sim, o respeito. Uma das coisas que me surpreendeu quando estive em Ouro Preto e Lavras Novas foram as casinhas com portas pequenas. É curioso porque, ao entrar nessas casas, percebemos que são gigantes, com oito ou nove quartos, além de jardins. Contudo, do lado de fora, vemos apenas uma portinha. Isso me deixou curioso, pois, de acordo com o que aprendemos ao longo da vida, quem tem dinheiro costuma apreciar a opulência.
Agora você vê, voltando ao ponto, é uma educação para beleza, não é? Educação para a contemplação.
A capacidade de perceber a beleza é a janela de sua alma, e está relacionada com o que você busca. Quais são seus valores? Lembro-me, por exemplo, que durante minha educação, minha mãe chegava e me mostrava algo, mesmo quando eu tinha apenas seis anos, e ela dizia: “Paulo, olhe para esta roça”. E me mostrava uma roça ampla e vermelha. Ela pedia que eu sentisse os aromas, que tocasse as pétalas das flores e percebesse os espinhos. Esses detalhes influenciaram minha vida muito mais do que você pode imaginar, moldando, inclusive, a forma como vejo a música, o meu trabalho e como conduzo meus artistas.
Justamente o que eu ia perguntar agora, você leva isso para eles?
Paulo Baron: Claro, claro. Tenho uma personalidade marcante, todo mundo sabe que sou assim. Sou um artista, crio arte com o marketing que faço. Do jeito que enxergo a música, sou um artista sem tocar instrumento. Considero-me um pesquisador, gosto de estar atualizado e entender como as coisas funcionam, mas a parte que é verdadeiramente minha, que reflete meu gosto musical, meus conhecimentos e minha experiência, incluindo altos e baixos, é o que realmente me define. Já me pus à prova diversas vezes. Em um dos melhores momentos da minha carreira, eu estava ganhando peso e ficando sem energia, mesmo com dinheiro entrando na conta. Mas eu precisava acabar com isso. Não era para mim.
O que é mais importante para você?
O mais importante para mim é me sentir vivo. Eu preciso sonhar. Dinheiro não é tudo.
O rock é um segmento mais mítico do que o próprio gospel, por exemplo?
O rock é visceral. É um jeito de ser, uma essência. Quando estou escutando rock na estrada, e estou só, entro em comunhão com a natureza, volto a ser aquela criança que sonhava em ser alguém.
Sempre soube o que queria ser?
Paulo Baron: Tive que enfrentar meu pai, porque eu queria viver da música, e ele dizia: “Mas você não sabe tocar um instrumento”. Só que eu tinha convicção de que faria algo com a música. Estava disposto a enfrentar minha família para conseguir o que eu queria. Para mim, isso é rock. Rock é acreditar em si mesmo. Quando vejo alguém deprimido, pergunto: “Cara, você não curte rock?” Quando a resposta é sim, respondo: “Então você ainda não perdeu tudo. Utilize a força do rock que existe dentro de você.”
Evidentemente, você escuta outros gêneros…
Adoro blues, jazz, fusion, música latina. Trabalhei com bandas de música cubana. Adoro tudo isso. Mas o rock me faz sentir vivo; adolescente, com vontade de sonhar. O rock é meu motor.
Por que temos tanto medo de sermos esquecidos? De alguma forma todos nós queremos ser artista…
É verdade…
Você acabou de falar: sou um artista que não toca instrumento.
É verdade…
Por que temos tanto medo do esquecimento?
Não sei. Eu sei que eu quero fazer a diferença na vida das pessoas.
Você se acha um mito?
Não, acho que não.
Sem falta modéstia.
A história dirá se um dia serei um mito. Será algo raro, pois são poucos os produtores que alcançaram esse status. Mas desejo que meus netos vejam que o avô inspirou outras pessoas, valorizou a música e os músicos, e amou o que fazia. Quem sabe?
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