Escreveu F. Scott Fitzgerald que se abster do julgamento é uma questão da esperança infinita. Esperança! Palavra que precisamos compreender com profundidade a fim de abraçá-la para não sucumbir diante dos horrores do mundo. Seria necessário, então, aprender a nos abrir para a esperança a fim de verdadeiramente possuí-la? Quem reflete acerca do tema é o padre e teólogo católico tcheco Tomáš Halík. Professor catedrático da Faculdade de Letras na Universidade Carolina de Praga, é autor de Não sem esperança, o tocante Paciência com Deus, entre tantos outros títulos. Por alguns minutos, abra-se para esse mistério.

FAUSTO – Ter esperança não seria uma forma de ingenuidade?
Tomáš Halík: De forma alguma. Ingenuidade é o otimismo. É essencial distinguir esperança de otimismo. Em nosso país, costuma-se dizer que um otimista é alguém mal informado. O otimismo, tal como o entendo, é uma crença ingênua no progresso automático — a ideia de que tudo irá, inevitavelmente, melhorar. A esperança, por outro lado, é a força que nos sustenta mesmo quando tudo parece desmoronar. É a capacidade de resistir, mesmo em meio à pior das circunstâncias.
Ter esperança — sob a ótica do utilitarismo — pode nos levar ao vício das exigências?
Precisamos distinguir entre expectativas, desejos e esperança. Expectativas podem ser ingênuas; desejos, infantis ou até mesmo corrompidos — e, sim, eles podem nos deteriorar por dentro, pois muitas vezes já nascem de nossa própria corrupção. A esperança, no entanto, tal como a compreendo à luz da tradição cristã, é uma virtude divina. Expectativas e desejos se fixam em algo específico; já a esperança não espera nada de concreto. Ela nos abre ao mistério do porvir, ao acontecimento divino, à surpresa absoluta.
Aquele que tem esperança tem uma percepção mais clara de sua própria dignidade?
Quem perde a esperança mergulha na depressão e no desespero. Kierkegaard chamou o desespero de “doença mortal”. Um homem desesperado duvida do valor de tudo — inclusive de si mesmo. A esperança é o alicerce de uma autoimagem positiva. Mesmo diante de nossas falhas, fraquezas, fracassos e culpas, é ela que nos permite acreditar na possibilidade de transformação. Sentimos nossa dignidade quando sabemos que somos amados. A fé — irmã da esperança — nos assegura que somos aceitos e amados por Deus, não porque somos bons, mas porque Ele é bom. E isso nos dá condições de nos aceitar.
A ausência de esperança pode ser uma forma de suicídio lento?
Sim. Trabalho há muitos anos como psicoterapeuta de alcoólatras. Muitos deles são pessoas consumidas pelo desespero, que se autodestroem através do álcool — um suicídio em câmera lenta.
Qual é o papel da criatividade na ação da esperança?
A esperança é essencialmente criativa, pois frequentemente precisa “criar o mundo a partir do nada” — das cinzas, das ruínas. Por isso, podemos vê-la como um dom do Criador, uma pequena filha querida de Deus.
O que pode a esperança diante do irreversível?
A esperança, mesmo diante do irreversível, pode revelar que nada é absolutamente irreversível.
Como alguém desesperado pode reencontrar a esperança?
Essa pessoa precisa renascer.
Renascer em Cristo?
Não me refiro à conversão religiosa nos moldes do movimento dos “cristãos nascidos de novo” do meio pentecostal. Falo de uma transformação profunda da personalidade — a passagem de uma “vida inautêntica” e superficial, vivida em conformidade com o que “todos vivem”, para uma “existência autêntica”, nos termos de Martin Heidegger e dos teólogos existencialistas como Tillich ou Bultmann. É a mudança do “ego” para o “eu” — o centro mais íntimo da personalidade. Podemos, sim, interpretar esse “eu” como São Paulo o fez: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. Mas o budista dirá que se trata da “natureza búdica”, enquanto o existencialista chamará apenas de autenticidade.
O desespero não é apenas uma tentativa de controlar o futuro, mas também de controlar o passado, certo?
Sim. O desespero fecha tanto as portas do futuro quanto as do passado. Ele nos rouba a esperança de que, ao continuarmos vivendo, nosso passado ainda possa ser redimido. O que torna o passado pesado é a culpa. A esperança, por sua vez, abre espaço para o perdão e a reconciliação, aliviando o peso do que foi. Ela nos lembra que o passado não é um buraco negro: todo o bem que fizemos, todas as experiências belas que vivemos, não estão perdidas.
A esperança deve ser entendida como um dever?
A esperança é, antes de tudo, uma experiência de liberdade. Contudo, ser livre — e lutar por essa liberdade — é, sim, um dever nosso.
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