ay Parini é autor de A Última Estação, romance biográfico de 1990 que narra os momentos finais da vida de Liev Tolstói. Adaptado para o cinema em 2009 pelo cineasta americano Michael Hoffman, o longa tem como estrelas, nos papéis de Liev e Sônia, nada mais, nada menos do que Christofer Plummer e Helen Mirren. Considerado uma das principais autoridades quando o assunto é o autor de Guerra e Paz, Jay Parini é o primeiro entrevistado do Especial Tolstói – 190 anos, série da FAUSTO que celebra o escritor russo e suas principais obras-primas. Confira!
FAUSTO – Por que Tolstói? Foi escolha aleatória ou há significados mais profundos e escondidos?
Jay Parini: Sempre adorei ler Tolstói e me sentia muito próximo dele. Quando surgiram novas edições de suas cartas e diários, isso no final dos anos 1980, me senti ainda mais perto. Adorei sua visão feroz, suas posições morais e sua imensa clareza de pensamento.
Enquanto se aprofundava nos documentos e diários, houve algum momento em que ficou extremamente impressionado?
Certamente, fiquei impressionado instantaneamente, e minha admiração só se aprofundava na medida em que mergulhava na grande variedade de documentos: cartas e diários de tantos daqueles que estiveram em seu círculo, em sua época.
Se aproximar tanto de uma personalidade como Tolstói também pode ser decepcionante?
Bem, sim. Ninguém é perfeito, e Tolstói foi especialmente falho, muitas vezes, e talvez motivado por seu ego. Creio que ele não conseguiu valorizar, por exemplo, as necessidades de sua esposa, nem enxergar as conseqüências de seus maus-tratos, muitas vezes. Suas relações com Chertkov também eram estranhas.
Qual foi o maior tormento de Tolstói?
Ele foi sexualmente atormentado. Creio que ele não entendeu a natureza complexa do apetite sexual humano ou sua absoluta normalidade.
E qual foi a sua maior contradição?
Ele queria tudo e nada. Ele queria pertencer ao povo, mas também queria pertencer à família dele. Tolstói era profundamente russo, mas também tinha sentimentos conflitantes sobre a Rússia. Ele era viciado na fama e a desprezava ao mesmo tempo. Ele era apaixonado e cobrado sexualmente. Ainda assim, ele odiava esse aspecto de si mesmo.
É por isso, por exemplo, que em suas novelas Tolstói comparou mulheres sedutoras com o diabo? Ou isso a que se refere é o que se especula sobre ele ter tido um caso com Chertkov?
Creio que Tolstói viveu uma tensão bissexual, ou pelo menos teve uma forte atração por Chertkov. Foi o que sua esposa insinuou, e pode ser verdade. Creio que ela estava certa sobre isso.
Tolstói precisava de Sônia, como um contraste, como um incentivo, e como uma caixa de ressonância para suas idéias. Ele não teria ido longe ou teria sido tão bom sem a presença dela em sua vida.
Acredita que Tolstói parou de escrever romances por ter ficado com medo de não produzir mais algo tão magistral e por isso passou a se dedicar aos escritos religiosos?
Não, ele se voltou para a escrita religiosa e filosófica porque era onde seu coração estava nas últimas décadas. Ele ainda escreveu alguma ficção, mas bem mais tarde.
Fala-se pouquíssimo sobre a propensão de Tolstói para o suicídio, não?
Não ouvi muito sobre isso e também não acho que ele realmente teria feito isso.
A Última Estação é um livro muito sensível. Fiquei realmente tocada em algumas partes. Escrevê-lo foi uma experiência dolorosa?
No sentido de ter que se aprofundar nas complexidades que envolvem a vida de Tolstói. Sim, foi um livro difícil e sensível de escrever. Senti-me muito conectado com Tolstói e sua esposa e com as dificuldades inacreditáveis de um compreender o outro.
Já são 190 anos! Tolstói viverá no coração dos leitores por mais 300 anos?
Tolstói é, como Shakespeare e Dante, como Cervantes, parte do imaginário humano, e ele continuará sendo uma figura central enquanto houver leitores.