Não sei quem é Emil Cioran, mas ele sabe quem sou. Breviário da Decomposição foi um jeito elegante do romeno de escrever sobre meus dias. Quanto mal-querer!
O resumo é resumo porque se fosse maior não suportaríamos: “É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso.”
Segundo livro de sua carreira, Breviário da Decomposição foi publicado em 1949, e é a primeira obra do filósofo escrita em francês. O primeiro livro, Nos cumes do desespero, foi escrito em 1934, em romeno. Seguindo a veia trágico-poética, torna-se então, oficialmente, conselheiro dos “espíritos autenticamente atormentados“, como diz nas páginas do resumo.
Não é mesmo a melancolia capaz de render assuntos mais interessantes do que a alegria?
Para Cioran e seu séquito, não há dúvidas. Os temas medo e insônia são recorrentes, como não poderia deixar de ser, uma vez que somos feitos de medo, e só dorme quem não se dá conta de quem se é: “ter medo é pensar continuamente em si mesmo.” Ou ainda: “o medroso é vítima de uma subjetividade exagerada.”
Já a insônia, esta é capaz de nos refinar, de nos tornar um ser milimetricamente mais original: “só o conjunto de nossas insônias nos distingue dos animais e de nossos semelhantes.” Sabe quem não dorme.
Recomendo Emil Cioran assim mesmo, e justamente para quem não dorme. A companhia de um igual pode trazer de volta o sono, porque nada provoca mais aconchego do que os sentidos atuando na compreensão de uma dor: um olhar, um toque, um tom de voz, umas letras…
Há até quem ria diante de suas frases absurdas. É sabido o motivo. Ri quem já sabe que não há o que esperar. Ri quem sabe que não existe outro jeito, inclusive de amadurecer, a não ser rindo. Ri quem vê belezas em rir de si mesmo justamente porque no riso disfarçado de desespero relaxa a carne. Olha aí! “A frivolidade é o antídoto mais eficaz contra o mal de ser o que se é: graças a ela, iludimos o mundo e dissimulamos a inconveniência de nossas profundidades.”
Emil Cioran sabe mais de mim do que eu sei de mim mesma, essa é a verdade. Escreveu aquilo que hoje uso para me apresentar ao mundo. Juro! “Nem sempre estou triste, logo não penso sempre.”
Quero dizer também que passo parte da vida a sonhar, a desejar o impossível, a amar desenfreadamente quem carrega, sem se dar conta, par de olhos azuis. Não tenho nem medo de nada poder viver realmente, vias de fato, porque, afinal, vivo de imaginação, e me basta. Não tenho concepção de vida. A não ser, claro, o amor.
É no Breviário da Decomposição que consta a mais pura verdade sobre o amor: “Só se pode amar os seres que não ultrapassam o mínimo de vulgaridade indispensável para viver.” Eu ultrapasso.