Não é profícuo o termo certo para descrever Luís da Câmara Cascudo. Profícuo é para todo aquele que publicou muito – e esses são muitos. Cascudo ultrapassou qualquer paradigma!
Com seu nome são mais de 200 títulos publicados, sendo História da Alimentação no Brasil, de 1967, a obra que mais me dá água na boca por minha paixão pela cozinha, hoje templo sagrado, onde meu espírito se refina e onde começam a surgir as letras entre os aromas.
Daí querer saber mais sobre o nortista – e torná-lo sabido – foi o tempo de um coccote. Cascudo foi um dos mais respeitados pesquisadores do folclore e da etnografia do Brasil. Escrevia desenfreadamente. E lia, obviamente, o equivalente. Uma vida dedicada, obcecada e de incansável devoção ao saber.
“Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado”, disse certa vez.
Sei bem como é.
Sua obra mais conhecida é o Dicionário do Folclore Brasileiro, de 1954, renomada no mundo inteiro, mais do que no Brasil, que é um país miseravelmente desrespeitoso com os que acreditam no poder do conhecimento.
Por Geografia dos Mitos Brasileiros recebeu o Prêmio João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras, a tal ABL.
Na verdade, Luís da Câmara Cascudo recebeu muitíssimos prêmios e homenagens, quando ainda em vida. E trabalhou até os últimos anos de sua vida. Morreu aos 87.
Nascido em Natal, em 30 de dezembro de 1898, viveu quase toda a vida no mesmo lugar. Morreu na mesma Natal, em outro 30, mas desta vez de julho de 1986.
Por aí, nos jornais e nas conversas de porta, foi chamado de historiador, antropólogo, advogado e jornalista; este último foi posto que ocupou pela primeira vez aos 19 anos, no jornal do pai: A Imprensa.
Luís da Câmara Cascudo escreveu também para A República e para o Diário de Natal. Só até os anos 1960 foram aproximadamente 2.000 textos!
Pesquisou tanto o Brasil que deixou de herança um tesouro incalculável sobre quem somos e por que somos. Inclusive, ele quase foi preso por pesquisar o lobisomem. Que tempo pitoresco foi esse? Outra verdade? Não menos do que hoje…
Fui moça curiosa desde sempre, mas infelizmente de escola pública. Nunca soube de Cascudo naqueles corredores.
O papa-gerimú risonho, afável e piadista, amou sua terra, suas tradições e seu povo. Ouvia Debussy e Prokofief. Foi amigo íntimo de Heitor Villa-Lobos.
Era chamado de Cascudinho por seus professores. Seu pai, o dono do jornal, era o Coronel Cascudo. Como foi menino solitário, sempre doente, Cascudinho encontrava nas ficções os amigos que não tinha na vida real e na imaginação vivia as brincadeiras que toda infância devia dar direito.
Será por isso que escreveu tanto, depois, quando cresceu? Porque solidão costuma gerar emergências de ações criativas.
Antes de partir, deixou suas memórias: O tempo e eu: confidências e proposições, que foi publicação póstuma. Entrou, obviamente, para minha lista de leituras.
Imagine o que deve contar ali, como deve fazer rir – ou melhor, sorrir, como quando estamos ao lado de uma alma-irmã.
Imagine como deve ser se transportar para a Natal do fim do século XIX, que rezava missas em latim e onde as crendices tinham mais vez do que a ciência.
É, não, ele não se foi. Ninguém que escreve se vai. O livro é a única coisa que vence a morte.